quarta-feira, setembro 20, 2006

Cerâmicas Merinidas exumadas em Palmela

Resumo
A intervenção arqueológica que decorreu no Mercado “ Velho “ de Palmela em 2002, permitiu a recolha de um volume imenso de documentação arqueológica.
A abordagem preliminar à documentação arqueológica exumada, permitiu documentar aspectos novos do quotidiano medieval, que permitem uma nova leitura do quotidiano no Baixo Sado.
De facto identificamos elementos referentes às actividades económicas, como é a caça e a tecelagem. Identificamos aspectos íntimos como parece indicar a presença de miniaturas em cerâmica, vocacionadas para a aprendizagem das meninas para as lides domésticas. A violência também está presente de forma dramática com a identificação de restos humanos na lixeira e os afectos também marcam presença pelo achado de um anel provavelmente de casamento.
Em suma, o espolio exumado no Mercado parece revelar-se bastante completo em relação ao quotidiano de Palmela em finais da Idade Média e tem permitido uma melhor compreenção em relação a outros conjuntos documentais arqueológicos como é o caso presente de Alcácer do Sal, onde a presença ou ausencia de determinadas peças possui uma explicação.
Já foi efectuado um primeiro estudo preliminar que já saiu na revista al Madan e neste trabalho iremos abordar outros aspectos que foram omitidos no referido artigo.

Abstract
This paper presents the results of the archaeological digging take place in Mercado “ Velho “ de Palmela, in historical centre of Palmela village.
The archaeological work reveals important information about the day life in Palmela in Late Middle Age, between XIV and XV centuries, showings many things from economics activities, social life, fishing, hunting and war.
Like a surprise, we found same pottery from the XIV century, made in Ceuta and Féz in the Banu Marin sultanat.

1. A intervenção Arqueológica.
O sitio arqueológico, que foi objecto de trabalhos arqueológicos
[2], encontra-se definido entre a Rua Hermenegildo Capelo e a Rua Mouzinho de Albuquerque, e localiza-se em pleno centro histórico da Vila de Palmela[3].
A intervenção arqueológica
[4] ocorreu no espaço deixado livre pela demolição de todo o conjunto de edifícios de propriedade camarária e que ameaçavam ruína.
Os resultados obtidos revelaram-se uma surpresa inesperada em termos de documentação arqueológica, que veio enriquecer de forma notável, o conhecimento que tínhamos sobre a evolução e quotidiano Tardo Medieval na área urbana de Palmela
[5].
O local encontra-se igualmente inserida na Zona Especial de Protecção do Castelo de Palmela, definida pela Portaria n.º 944/85, D.R., 1ª série, n.º 288 de 14 de Dezembro.
A intervenção arqueológica teve lugar entre 16 de Setembro e 11 de Outubro de 2002.
O trabalho foi integralmente financiado pela Câmara Municipal de Palmela.
O desenho de campo e o trabalho de topografia, foi efectuado no decurso da escavação arqueológica e prolongou-se até ao dia 15 de Novembro.
Uma das condicionantes que nos deparamos no decurso da escavação, foi uma fase de mau tempo, (algumas semanas) que condicionaram a progressão adequada dos trabalhos.
Em termos de resultados, podemos agrupar os quadrados intervencionados em dois grupos;
- Os que forneceram documentação e níveis estratigráficos e os que revelaram ausência de níveis arqueológicos.
Esses elementos permitiram elaborar o quadro que se apresenta:

1.1.A Escavação
Os trabalhos tiveram início no dia 16 de Setembro de 2002, após ter sido implantada no local pela equipa de topografia da autarquia, uma quadrícula que ocupasse toda a área que iria ser intervencionada.
A malha, com quadrados de 2 por 2 m, foi orientada de W a E, e de N a S.
No sentido N-S, foram atribuídos números por ordem crescente. (de 1 a 11)
No sentido W-E, foram atribuídas letras ordenadas por ordem alfabética. (de I a U).
O acompanhamento que efectuamos no decurso da demolição não foi claro acerca do potencial arqueológico do local. De facto ficamos com a ideia vaga de que o local seria estéril arqueologicamente, à semelhança de outras situações anteriormente detectadas no centro histórico de Palmela.
Face a esses dados, e como desconhecíamos por completo a realidade arqueológica existente, decidimos em termos de abordagem, seleccionar algumas sequências de quadrados distintos, para efectuar sondagens.
A primeira selecção de quadrados, incidiu no espaço que correspondia ao chão do Mercado.
Iniciamos os trabalhos nos quadrados L10, L11, M10, M11, N10, 09, 010 e P9.
Não foi surpresa nenhuma, quando logo após termos decapado o nível de superfície, a U. E. 1, entre 10 e os 20 cm, ter surgido a base geológica, que neste local da escavação corresponde às camadas de arenitos arenosos e calcários do Miocénico de Palmela.
A base geológica apresentava-se rudemente desventrada, resultando da escavação efectuada nos anos 40 e inícios de 50 do século passado, quando foi erguido o edifício do Mercado Municipal.
Os outros quadrados intervencionados e também seleccionados de forma aleatória, o R5 e o S5, foram escolhidos, porque se localizavam quase a meio do espaço anexo ao Mercado, num terreno ocupado por moradias antigas que teriam sido poupadas em termos de escavação mecânica, nos anos 40/50.
Os resultados foram decepcionantes, porque os níveis de argila que afloravam à superfície, correspondem à sequência estratigráfica geológica do local.
Entretanto, efectuamos sondagens nos quadrados Q 7, Q 8, R 7, R 8, S 7 e S 8.
Como prevíamos, aflorou novamente a base geológica, ora constituída por argila ou arenitos.
Foi identificado um muro, que fazia parte da habitação aí existente. Junto ao alçado dessa estrutura foi possível detectar uns resquícios estratigráficos com escasso espólio arqueológico.
Face a estes resultados, iniciamos a limpeza dos quadrados T6 e U6.
Retirada a U.E.1, as unidades estratigráficas seguintes revelaram uma fraca potência, associada a escasso espólio arqueológico de meados do Século XVI (1ª metade).
Paramos momentaneamente a sondagem ao nível da U.E.7.
No final da primeira semana começou a chover. Situação que permitiu lavar em extensão a área que estávamos a intervir. Essa acção de lixiviação permitiu a remoção de lixos recentes e de camadas finas resultantes da demolição.
Uma análise mais atenta, permitiu verificar a ocorrência de escassa cerâmica vidrada dos finais do século XV e inícios do XVI que aflorava à superfície do quadrado T4.
No inicio da segunda semana de trabalhos, demos inicio a uma sondagem nos quadrados T4 e T5.
Iniciamos a sondagem, efectuando uma decapagem da U.E.1 (restos da demolição). Esta unidade estratigráfica cobria toda a área, mas apresentava diferentes espessuras.
Ao contrário do que tinha acontecido nos quadrados atrás referidos, após retirarmos uma película de 5 a 10 cm de lixos, resultantes da demolição, deparamo-nos com uma camada de cor escura, rica em matéria orgânica e cerâmicas dos séculos XV/XVI.
Designamos esta unidade estratigráfica, como U.E. 14 a.
Ao longo da segunda semana e no decurso da terceira semana, verificamos que esta camada correspondia a uma lixeira e que se estendia para sul (T6, U5 e U6) e para norte. (S4, S3, S2, R3, R2, R1, Q3, Q2, Q1, P3, P2, O3, O2, N3, N2 e M3).
O espolio exumado foi imenso e centrava-se grosso modo no século XV.
Face aos resultados decepcionantes que tínhamos obtido nos quadrados referentes ao espaço do Mercado, demos por concluída a escavação nesse sector e investimos na escavação integral da lixeira.
Tarefa que conseguimos na íntegra, porque como podemos depois verificar, a área intervencionada abrangeu na sua totalidade a referida lixeira.
A lavagem integral do espólio recolhido, já permitiu a identificação de novas variantes de formas cerâmicas, no âmbito das tipologias quinhentistas de Palmela.

1.2. Estruturas e Compartimentos
A remoção da U.E.1, permitiu a identificação de um conjunto de estruturas e compartimentos.
Como seria de esperar, no espaço ocupado pelo edifício do Mercado, os únicos elementos estruturais que conseguiram sobreviver da demolição, correspondem na sua totalidade, ao edifício do século XX aí edificado.
Não foram identificados estruturas ou espólio de épocas ulteriores, porque como já foi referido, a construção do edifício no século XX levou à escavação integral do subsolo e o piso térreo foi assente directamente na rocha.
Panorama radicalmente oposto foi identificado no espaço correspondente às edificações anexas ao Mercado e que correspondiam à malha construtiva primitiva.
Apesar da demolição e da remoção dos entulhos efectuados logo em seguida, essa acção parece ter afectado muito pouco, as unidades estratigráficas e as estruturas aí existentes.
Foi definido um total de 10 muros e de 5 compartimentos.
Iremos apresentar neste estudo uma descrição das estruturas do Compartimento 1.

1.2.1. Estruturas do Compartimento 1.
● ( muro 1, muro 2, muro 3 e muro 5).
► Muro 1. - Estrutura que estabelece a separação entre a área que numa fase de abandono foi usada como lixeira e o substrato geológico argiloso e rochoso, que aflora do lado poente.
Este apresenta um aparelho, constituído por pequenas lages de arenito de Palmela, revelando um certo cuidado, encontrando-se cobertos por uma argamassa de areão de cor avermelhada, só na fase voltada para a lixeira.
Na fase oposta, o aparelho é pouco cuidado e a pedra utilizada não se apresenta talhada e é de maior dimensão, ligada entre si por terra barrenta, que contacta directamente com a vala de construção que foi talhada na bancada de argila vermelha e rocha que aflora nesta área.
No troço que definimos por A, que corresponde aos quadrados U7, U6 e T5, o muro assenta sobre o afloramento rochoso da base geológica e a argamassa que o cobre é mais fina e algo deteriorado o que permite ver o tipo de aparelho aí existente.
No troço seguinte, o muro apresenta duas tipologias construtivas diferentes que denominamos de B e C.
O troço C, correspondendo à base da estrutura neste sector, apresenta um aparelho tosco, pouco cuidado, constituído por pedra rolada de grandes dimensões, ligada entre si pelo areão que resultou da desagregação lenta do afloramento rochoso.
O troço B, apresenta o tipo de aparelho cuidado já detectado no troço A, contudo a argamassa de areão é nesta zona mais espessa.
Mais para norte, este muro apresenta um prolongamento muito ténue, que serve de base ao muro 9.
► Muro 2. - Estrutura com um aparelho similar ao descrito no muro 1, no seu troço A.
O seu posicionamento em relação ao muro 1, o tipo de aparelho e da argamassa que cobre a face visível, permite supor que ambos serão contemporâneos. É provável que definisse a lixeira na sua ponta mais a sul. A estrutura prolonga-se por debaixo da rua Mouzinho de Albuquerque, na sua zona de confluência com a rua Hermenegildo Capelo.
► Muro 2. - Estrutura com um aparelho similar ao descrito no muro 1, no seu troço A.
O seu posicionamento em relação ao muro 1, o tipo de aparelho e da argamassa que cobre a face visível, permite supor que ambos serão contemporâneos. É provável que definisse a lixeira na sua ponta mais a sul. A estrutura prolonga-se por debaixo da rua Mouzinho de Albuquerque, na sua zona de confluência com a rua Hermenegildo Capelo.
► Muro 3. - Estrutura de aparelho pouco cuidado, com grandes blocos de pedra na base e de menor dimensão por cima. Constituída por pedras de arenito de Palmela, ligados entre si por uma argila de cor avermelhada. Assenta directamente sobre a lixeira. Encontra-se separada do muro 1, por um fino nível de terra. Encontra-se ligado aos muros 4, 5 e 6.
► Muro 5. - Estrutura de aparelho cuidado, constituída por pedra de Palmela, ligada entre si por uma argamassa de cor amarelada. Apresenta uma tipologia de construção que é comum encontrar na área urbana de Palmela, a partir dos inícios do século XVII.

1.3. Unidades Estratigráficas.
A escavação integral do espaço do Mercado permitiu identificar um conjunto de 31 unidades estratigráficas.
Apesar do grande número de unidades estratigráficas identificadas, a grande maioria correspondiam a pisos que não forneceram espolio arqueológico.
De forma a sintetizar a informação obtida elaboramos um quadro que apresentamos em seguida.
Para ilustrar parte da realidade estratigráfica identificada, seleccionamos desta vez o perfil 2
[6].

● Perfil 2
O Perfil em análise, apresenta a sequência estratigráfica obtida, de Sw para Ne, no limite norte da área intervencionada. A intervenção neste espaço, permitiu demonstrar que a lixeira tardo medieval, prolongava-se um pouco mais para norte, para o actual espaço público do Largo do Mercado. Detectou-se uma expansão da área habitacional após a desactivação da lixeira. Os edifícios que foram demolidos, representam um retrocesso da área ocupada ulteriormente a partir do século XVI.
U.E. 5 – Corresponde à calçada actualmente existente no Largo do Mercado.
U.E. 9 – Bolsas de revolvimento de terras, que foram efectuadas no decurso das obras do Mercado Velho, (meados dos anos 50 do século passado). Apresenta uma cor acastanhada escura intensa por causa dos carvões que aí foram depositados, como complemento do sistema eléctrico do Mercado. O espólio que foi recolhido corresponde unicamente à lixeira designada por unidade estratigráfica 30. As outras unidades estratigráficas que foram misturadas e que correspondem a pisos, não apresentaram espólio arqueológico.
U.E. 10 – Grande bolsa de entulhos, de pedra seca (arenito de Palmela), misturada com argila de cor avermelhada. Ausência de espolio arqueológico.
U.E. 11 – Camada de cor amarelada, constituída por entulhos (arenito de Palmela) de meados do século XX. Ausência de espolio arqueológico.
U.E. 12 – Piso de areia de cor amarela. Ausência de espolio arqueológico.
U.E. 13 – Nível de argila avermelhada, que contêm alguns fragmentos de estuque de cor branco. Ausência de espolio arqueológico.
U.E. 17 – Piso de areia de cor amarela. Ausência de espolio arqueológico.
U.E. 18 – Sedimento de cor acastanhado/avermelhado. Apresenta escasso espólio cerâmico de finais do século XV e inícios do XVI. Corresponde ao final da lixeira.
U.E. 30 – Corresponde à lixeira tardo medieval, que nos quadrados S, T e U, designamos como unidade estratigráfica 14. A razão de designarmos com outro número esta unidade estratigráfica da lixeira, nestes quadrados, prende-se com as ligeiras mudanças detectadas a nível de espólio e textura do sedimento. Apesar de se tratar de uma lixeira, nas unidades estratigráficas 30 e 31, o sedimento é mais espesso, de cor negra mais clara e apresenta menor espessura média. O espólio encontrado é de meados do século XV e alcança os inícios do século XVI, facto que não observamos nas unidades estratigráficas, 14 e 15.
Os elementos expostos, permitem verificar que a lixeira não se formou de uma só vez, mas é o resultado de um processo lento de mais de um século (com inicio em finais do século XIV e terminando nos inícios do século XVI), e crescendo em comprimento, de sul para norte.

2. A Documentação Arqueológica.
No nosso primeiro estudo sobre o Mercado, apresentamos uma síntese sobre as cerâmicas exógenas aí exumadas.
Os dados obtidos permitiram concluir a existência de uma elite endinheirada, que habitava algures na Vila de Palmela, que lhe permitia acesso a produtos prestigiados e de luxo.
No âmbito das cerâmicas exógenas, demos a conhecer uma rara produção específica do Reino Merinida de Marrocos de meados do século XIV.
Trata-se de uma peça até ao momento única em Portugal e mesmo em Espanha, nessa altura dividida entre Castela e Aragão. Dado o seu interesse cientifico, voltamos novamente a apresenta-la em conjunto com uma outra, a nº 400 que na altura ainda não tinha sido identificada como tal.

2.1. Catálogo da cerâmica merinida
Numero de inventário: -MP 144.
Fragmento de bordo de caçarola. Possui um diâmetro de bordo de 30 cm A superfície interna e bordo, encontram-se cobertos por uma fina película de vidrado melado. A superfície externa e a aplicação plástica encontram-se cobertas por um espesso engobe de cor cinza. Parte do vidrado escorreu na zona do lábio e um fio cobriu a superfície externa. A pasta apresenta-se levemente cinzenta junto à superfície externa e avermelhada junto à superfície interna. Contêm elementos não plásticos de grão fino de cor branca, outros de cor avermelhada

Numero de inventário: -MP 400.
Fragmento de fundo de taça carenada. Junto á carena no lado exterior apresenta uma sucessão de pequenos sulcos em forma de meia-lua. A superfície interna e bordo, encontram-se cobertos por uma fina película de esmalte de cor verde escura. A pasta apresenta-se de cor beje escura. Contêm elementos não plásticos de grão fino de natureza indeterminada.

Comentário
Segundo Abdallah Fili no seu estudo sobre “La céramique de la madrasa mérinide al-Bu ´inaniyya de Fés", e que podemos transpor para as restantes produções merinidas encontradas em Marrocos, as cerâmicas desta época, são geralmente mais sóbrias nos seus programas decorativos, em relação às nazaris suas contemporâneas, porque os oleiros do reino merinida seguem os valores do islão segundo a tradição almoada que continua vigente em certos aspectos do quotidiano.
Esta afirmação entra em contradição com a postura oficial dos merinidas, que aboliram a tradição almoada e repuseram a tradição maliquista.
Posteriormente, em Setembro de 2005 estivemos juntos no encontro internacional sobre a Medina islâmica em formação, onde tive a oportunidade de apresentar alguns materiais cerâmicos exumados em Palmela e Alcácer do Sal.
Não havia dúvida que estávamos em presença das únicas cerâmicas merinidas do século XIV exumadas em contexto estratigráfico fora do norte de Africa e que tal facto representava um contacto com o sultanato dos Banu Marin antes da conquista Portuguesa de Ceuta, facto documental arqueológico até então desconhecido.
Os melhores paralelos que encontramos para a peça exumada no Mercado de Palmela, correspondem aos conjuntos de caçarolas provenientes dos níveis do século XIV de Ceuta
[7] e Fés[8].
Segundo Abdallah Fili, a peça com o nº de inventário – 144 é claramente uma produção de Ceuta que era famosa em contexto merinida pelas suas cerâmicas que exportava para outras regiões do Reino de Fez até ao longínquo Sus, a sul da cordilheira do Atlas.
A referida peça (MP-144) apresenta um tipo de bordo específico das produções merinidas e que não encontramos nas formas semelhantes e contemporâneas, produzidas no reino de Granada.
Como já foi referido, as produções merinidas são raras na Península Ibérica e as conhecidas como tal e antes de 2002, remontam ao século XIII e foram encontradas no território andalus que esteve debaixo do seu domínio directo.
Ou seja, foram identificadas em Algeziras, que foi escolhida pelos Banu Marín para sede do seu domínio territorial no al-Andalus, no âmbito da Jhiad levada a efeito a partir de 1275, pelo soberano merinida, Abu Yusuf Ya´kub.
Essa intervenção no al-Andalus termina pouco depois de 1286 no reinado de Abu Ya´kub Yusuf (filho do primeiro), quando este teve que fazer frente aos ataques dos soberanos Zaiânidas, actual Argélia.
Trata-se de um conjunto cerâmico, proveniente de níveis estratigráficos seguros, dado a conhecer por Torremocha Silva et all, datado de finais do século XIII a inícios do século XIV.
Algumas das formas exumadas em Algeziras, são semelhantes a algumas peças cerâmicas exumadas no Dar al-Imiara Alcacerense, mas aparentemente ausentes em sítios coevos almoadas de Portugal. Será que se tratam de produções merinidas, de finais do século XIII, e não almoadas, como temos considerado até ao momento?
Esta questão torna-se interessante e torna necessário rever algumas produções duvidosas exumadas em Alcácer do Sal.
Face ao exposto, é difícil traçar o percurso que a peça merinida exumada em Palmela teve que efectuar para chegar até aqui, porque a sua aquisição é sempre variada.
Pode ser produto de pirataria ou de comércio. Poderá ter sido adquirida por cristão ou mouro, português ou estrangeiro.
Até ao momento, trata-se de um exemplar único em território português, havendo a possibilidade de dois exemplares provenientes do Castelo de Alcácer do Sal, de cronologia de finais do XIII, inícios do XIV, serem igualmente produções Merinidas.
Uma boa proposta de trabalho é considerar que a sua presença em Palmela ou Alcácer, ter sido possível graças à liberdade de acção dos comerciantes judeus residentes ou com interesses em Palmela e Alcácer, que manteriam uma rede de comércio ou contactos de outra natureza com comunidades judias residentes no Reino de Fez. Talvez estes contactos que também poderiam assumir posturas de “espionagem”, tenham permitido aos portugueses um bom conhecimento estratégico de Ceuta antes da sua conquista no início do século XV, numa altura coincidente com a decomposição politica do Sultanato Merinida.
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Bibliografia.
CARVALHO, A R. ( 2005). Intervenção Arqueológica no “ Mercado Velho de Palmela “: Primeiros resultados. Publicação on-line da revista Al-Madan, série II, nº 13.
FERNANDES, I.C.; CARVALHO, A R. (1993) Arqueologia em Palmela 1988/92. Catálogo da exposição. Ed. Câmara Municipal de Palmela.
FILI, A,( 2000). La céramique de la madrasa mérinide al-Bu ´inaniyya de Fés., Actas do encontro sobre Cerámica Nazarí y Mariní, pp. 259-290.
TAVARES DA SILVA, C.; SOARES, J.; DUARTE, S.( 2004). Preexistências de Setúbal. Intervenção arqueológica na Rua António Maria Eusébio, 85-87. Musa, 1, páginas 137-152.
REDMAN, C.L.; BOONE, J.L.(1979) Qasr es-Seghir (Alcácer Ceguer): a 15 th and 16 th century Portuguese colony in North Africa, Separata de Stvdia, nº 41-42.
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[1] Arqueólogo responsável pelos trabalhos arqueológicos no Mercado.
[2] Os trabalhos arqueológicos tiveram início em Setembro de 2002, após a autorização dada pelo Instituto Português de Arqueologia.
[3] Sede do Concelho de Palmela. Área Metropolitana de Lisboa. Distrito de Setúbal.
[4] Participaram nos trabalhos de campo, o Jorge Oliveira e quatro trabalhadores indiferenciados. No desenho de campo contamos com o Francisco Cebola. No trabalho de gabinete, participaram as colegas Fátima Felicíssimo, Cláudia Dias de Oliveira e o Frederico Regala.
[5] Acrescentando novos dados reverentes à paleocupação da área urbana de Palmela, na Antiguidade Tardia e Período Islâmico.
[6] O perfil 1 foi apresentado no estudo sobre o Mercado Velho, que foi publicado on - line na revista al Madan nº 13.
[7] Hita Ruiz e Villada Paredes, 2000. Una aproximación al estudio de la cerámica en la Ceuta mariní., actas do encontro sobre Cerámica Nazarí y Mariní, pp. 291-328.
[8] Fili, 2000. La céramique de la madrasa mérinide al-Bu ´inaniyya de Fés., actas do encontro sobre Cerámica Nazarí y Mariní, pp. 259-290

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