terça-feira, dezembro 26, 2006

Face ao exposto, que futuro para este espaço?

Uma primeira proposta de Alentejo Litoral exposta no primeiro Atlas de Portugal. Nesta altura incluia para além dos actuais concelhos do Litoral Alentejano, a actual Península de Setúbal.
Está disponível on-line no site da Biblioteca Nacional, cuja referencia digital é:
Ficha Bibliográfica (visualização ISBD)[279941]GOMES, Bernardino Barros, 1839-1910Cartas elementares de Portugal para uso das escolas [Material cartográfico / por B. Barros Gomes. - Lisboa : Lallement Fréres Typ, 1878. - 29 p. de texto, 5 cartas : color. ; 42 cm http://purl.pt/760CDU 581.9(469)(084.4) 551.7(469)(084.4) 914.69(084.4) 912"18"(084.4)
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A especificidade temática dos contiudos que vão sendo elaborados, aliados a uma grande dinâmica de investigação actualmente existente no Serviço de Arqueologia de Alcácer e que não encontramos nos outros concelhos do Litoral Alentejano, permite-nos efectuar a divisão natural deste blog em dois:
- O presente blog, em termos de endereço digital ficará com a componente dedicada ao periodo islâmico, enquanto o novo espaço será vocacionado para os temas que iremos abordar, relacionados com Alcácer após a conquista cristã de 1217 e irá até ao reinado de D. João II.

Algumas reflexões sobre este Projecto Digital..


Estamos quase no final do ano e é bom efectuar um breve balanço sobre os projectos digitais que demos inicio neste ano de 2006.
Tudo começou de uma forma informal, de apoio à intervenção arqueológica da villa romana de Santa Catarina.
Em meados de Setembro desdobramos os conteudos elaborados em blogs temáticos. Neste final de ano que balanço fazemos?
Pela monitorização que vou efectuando regularmente à recepção dos conteudos elaborados e pela pesquiza que vou efectuando sobre a análise da blogosfera em Portugal e no país vizinho, sou obrigado a citar quase na intrega o Blogista José Luis Orihuela.
Esta reflexão foi apresentada no 3º Encontro Nacional e 1º Encontro Luso-Galaico, 13 e 14 de Outubro de 2006 na Universidade do Porto. Vale a pena consultar demoradamente este sait e os blogs que estão associados.
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Apresentação Convidada: Porque é que os weblogs (não) vão acabar em 2006? José Luis Orihuela

Não, os weblogs não vão terminar. É a resposta que dá José Luis Orihuela à pergunta que o próprio coloca. Tudo, porque nada vai voltar a ser como antes.
Primeiro, porque foram descobertos com os blogs amplos recursos tecnológicos que estão agora disponíveis para pessoas comuns. E isso é ponto sem retorno. A comunicação social, enquanto comunicação pública e massiva, nunca mais vai voltar a ser um exclusivo dos grandes grupos mediáticos, também agora as pessoas comuns têm possibilidades de publicação a grande escala.
Depois, porque o crescimento da blogosfera em termos estatísticos é visível e isso é prova de expansão. E por fim,porque os blogs são um "media líquido", que, não conservando a sua forma, se adapta e modifica em conformidade com as situações que se lhe colocam.
Os riscos que poderiam levar ao fim dos blogs são a instrumentalização mercantil dos Weblogs, nascidos amadores e gratuitos.
Os spamblogs, que são já 56% dos blogs em Inglês, são uma ameça, visto que já são mais usaddos que o spam por e-mail.
A apropriação dos blogs por parte dos média, chamada "canibalização" por José Luis Orihuela é um risco, porque degrada a imagem dos Weblogs. Actualmente, qualquer colunista é apelidado de blogger.
A credibilidade, ou a falta dela, é o último dos perigos referidos, visto, que deu origem ao que qualquer pessoa pode publicar.
O desafio que se põe ao bloggers é a Inovação, de acordo com José Luis Orihuela este é o desafio que se poões aos média tradiconais e também aos blogs. O exemplo dado é o de Disck Fosbury, inventor do Fosbury Flop, que se tornou o modelo do salto em altura. A Inovação e superioridade técnica fê-lo sobressair e isto é o que todos nós devíamos fazer na nossa vida, assim como os bloggers.
Citando Jorge Wangensberg, o orador convidado do 3º Encontro afirmou que o " uso criativo de uma nova tecnologia é inconfundível, com a tecnologia não se trabalha menos, trabalha-se com mais ideias".
No fim da comunicação, José Luis Orihuela deixa dez dicas para novos bloggers:
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1-Começa a ler blogs
2-Experimenta várias ferramentas
3-Escolhe um tema, um blog disperso fracassa. Domina o tema e fornece muita informação sobre ele.
4-Toma em atenção a qualidade da escrita, não escrevas como uma SMS, um blog é comunicação pública.
5-Faz links para as fontes
6-Esquece as estatísticas e comentários.
7-Espera o tempo suficiente para o promover. Só quando tiveres mais conteúdos interessantes é que merecerás um link.
8-Participa na Blogosfera, comenta o trabalho dos outros.
9-Lembra-te que o blog público, por isso deves ter cuidado com a qualidade.
10-Diverte-te!
As frases de Orihuela debate:
"O Divertimento é essencial no trabalho e na vida, assim como um privilégio"
"Financiamento só se justifica se houver tráfego suficiente"
"O tempo é um dos problemas dos blogs, são viciantes. Somos junkies da informação."
"Nunca lemos tanto para escrever tão pouco."
"Ter contacto com a vida real, também parece ser interessante"
"Pode-se escrever um blog sobre tudo o que nos apaixone"

Blog de José Luis Orihuela: eCuaderno
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Face ao exposto e com base noutros artigos publicados neste encontro, chego à conclusão que em 2007 vou ter que redefenir os meus blogs tendo em conta os conteudos que serão elaborados, o contexto geográfico em que estão inseridos, que é o LITORAL ALENTEJANO e os publicos receptores naturais deste meio projecto - A comunidade cientifica e a escolar, numa prespectiva alargada e informal de apoio ao E-Learning, como passo inicial para uma hipotética adesão aos sistemas de E-learning do projecto Europeo i4Camp. (Para mais informações sobre esta questão, consultar o artigo -BLOGS PARA EDUCAR. Uso de los blogs en una pedagogía constructivista. Artigo publicado en Revista Telos, número 65, Octubro Diciembre 2005, páginas 86-93. Disponível em http://www.campusred.net/telos/cuaderno.asp )

quinta-feira, dezembro 14, 2006

O Alentejo Litoral no Final do Periodo Islâmico

Áreas de Influência.
O Alentejo Litoral estava inserido na sua quase totalidade na área administrativa de Alcácer, com sede na cidade de Alcácer, que por sua vez incluia a zona da Arrábida.
A região de Odemira pertencia à area de influência de Silves.

Em termos de estrutura viária, base militar e de povoamento, a sede do actual Alentejo Litoral estava localizado em Alcácer.
É por isso que após a conquista de Alcácer em 1217, a sede do ramo Português da ordem de Santiago estava em Alcácer.
Só no Século XV quando em termos económicos começa a haver uma diferênciação entre a zona de Setubal em relação a Alcácer, a sede da ordem passa para Palmela de forma a controlar melhor a venda do sal. e Alcácer começou a decair.

quarta-feira, outubro 25, 2006

ALGUNS ELEMENTOS SOBRE O ESTUDO:

Dos vestígios faunísticos provenientes da intervenção arqueológica realizada no Mercado Velho de Palmela


Frederico Tátá Regala

Introdução
O Dr. António Rafael Carvalho teve a amabilidade de facultar ao signatário deste trabalho a possibilidade de analisar o significativo conjunto de vestígios faunísticos coligidos durante as escavações arqueológicas que promoveu no Mercado Velho de Palmela.
Segundo os dados fornecidos por este arqueólogo, os materiais em foco provêm de um depósito resultante da acumulação de lixos produzidos em ambiente urbano, cronologicamente enquadráveis nos séculos XIV e XV. Trata-se portanto de uma lixeira onde se conservaram testemunhos da actividade humana em Palmela, constituindo evidentemente uma importante fonte de informação. O estudo da componente faunística irá contribuir para uma leitura mais completa sobre alguns aspectos do quotidiano das populações que povoaram a região, particularmente no tocante à alimentação e aos modos de exploração dos recursos animais.
O trabalho realizado sobre os referidos materiais encontra-se na sua fase inicial, atendendo a que não foi ainda concluído o tratamento preliminar do espólio, nomeadamente as tarefas de lavagem, contagem geral e triagem. Ainda assim, foi possível proceder paralelamente à identificação taxonómica de algumas das peças, em particular as mais completas ou com melhor preservação dos aspectos de diagnose. Como resultado do trabalho até aqui realizado, obteve-se já uma visão abrangente sobre o elenco das espécies animais representadas.
Para além das referências quanto à metodologia adoptada e às fontes de informação mais regularmente utilizadas, é prematura a discussão de grande parte das informações obtidas. Apenas se avançam algumas cogitações ligadas à identificação taxionómica de três peças específicas de carnívoros, duas das quais particularmente problemáticas do ponto de vista da sistemática.

O espólio – aspectos gerais
O espólio foi recebido por lavar, em sucessivos lotes de sacos que foram posteriormente acondicionados em contentores. A totalidade dos materiais ocupa actualmente 10 contentores com 26x50x32 cm, que se encontram provisoriamente armazenados no depósito da Cripta Arqueológica do Castelo de Alcácer do Sal.
As peças que foram entretanto lavadas apresentam-se geralmente bem conservadas, mantendo por vezes as texturas superficiais praticamente inalteradas, exceptuando a habitual patine cromática resultante do contacto com os sedimentos. O grau de fragmentação é muito diverso, variando de pequenas esquírolas até peças ósseas inteiras. Em muitos casos evidenciam-se marcas de corte e outras que serão analisadas de modo detalhado posteriormente.

Critérios metodológicos
Para a identificação das peças osteológicas recorreu-se à bibliografia habitualmente utilizada pelos investigadores nesta matéria, sendo de realçar as seguintes obras: Schmid, E. (1972); Amorosi, T. (1989); Izquierdo, E. (1986); Cornwall, I. (1956); Cohen, A & Sergeantson, D. (1996); Boessneck, J. (1969); Pales & Lambert (1971); Pales & Garcia (1981). Foi adicionalmente utilizada a osteoteca pessoal do signatário, que corresponde a uma colecção constituída fundamentalmente por materiais resultantes da recolha e processamento de animais atropelados junto às estradas e linhas ferroviárias, lançados por agricultores, caçadores e pecuários para o fundo de algares, carcaças encontradas em praias, etc. Os exemplares de peixes foram, em regra, adquiridos no mercado. Deste modo, foi reunida uma significativa amostragem de exemplares da fauna doméstica e selvagem comum. Foi criado um ficheiro associado à colecção que reúne os dados descritivos das condições da recolha, modo de preparação, critérios de diagnose taxionómica e informações quanto ao animal recolhido, incluindo a respectiva fotografia.
Os exemplares malacológicos foram identificados com base nos catálogos da especialidade e em algumas publicação específicas, sendo de salientar: Macedo, M. et al. (1999) e Nobre, A. (1931/40). Também neste caso foi utilizada a colecção privada do signatário. Ocasionalmente, foram obtidas informações específicas junto do Dr. João Regala, licenciado em Biologia Marinha e Pescas pela Universidade do Algarve, a quem cumpre agradecer.
As medições realizadas sobre algumas das peças foram obtidas com craveira de precisão (escala de vernier), seguindo os métodos e critérios preconizados por Driesch, A. (1976) e por Desse J., Chaix, L. & Desse-Berset, N. (1986). Em alguns casos concretos foram obtidas medidas adicionais em conformidade com as descritas pelos diversos autores consultados.
A orientação metodológica genérica das tarefas foi influenciada pelas obras de alguns autores, entre os quais: Davis, S. (1989); O’Connor, T. (2000); Reitz, E. & Wing, E. (1999); Chaix, L. & Méniel, P. (2001).
A terminologia taxionómica usada no presente trabalho segue as adoptadas por alguns dos autores consultados, nomeadamente: Macedo et al. (1999) ao nível da malacologia (que segue Sabelli et al., 1992); a de Cardoso (1993a) para os mamíferos, a de Cohen & Sergeantson (1996) para as aves, e a de Izquierdo (1988) para os peixes.
Os materiais arqueológicos não tinham sido alvo de qualquer tratamento após a respectiva exumação. Careciam portanto de lavagem, tarefa essa de que se tem encarregue o signatário pessoalmente. Até ao momento, foi lavado cerca de um terço do total do espólio recebido, utilizando a água canalizada e com o auxílio de uma escova dentária. As peças são depois dispostas em tabuleiros plásticos revestidos com papel de jornal e deixadas a secar em ambiente interior, fora do alcance da luz solar directa. Deste modo, a secagem processa-se lentamente reduzindo as possibilidades de deformação ou fissuração em peças mais friáveis.
Após a secagem, faz-se uma triagem prévia com a separação em lotes distintos segundo a natureza dos materiais. De cada saco obtêm-se subconjuntos mediante a abjunção da componente malacológica e de peças mais frágeis, passíveis de se danificar pelo contacto com outras mais resistentes e pesadas. Procede-se à replicação exacta das etiquetas de modo a manter todas as embalagens individualmente referenciadas.
Os elementos mais completos e aqueles que mantêm bem preservadas as características consideradas importantes para a identificação sistemática das respectivas espécies são, em alguns casos, embalados individualmente para que se possa passar de imediato a uma primeira abordagem do foro taxionómico. Deste modo, rapidamente se obtiveram peças facilmente identificáveis, recorrendo à bibliografia disponível e aos materiais da osteoteca seguramente classificados. Depois de identificadas, essas peças passam, por sua vez, a servir de modelos comparativos para fragmentos de interpretação menos evidente. Daí a opção por esta sequência de trabalho, que permite ir juntando um complemento comparativo importante, o qual vai aumentando gradualmente, em simultâneo com a fase de lavagem. Este conjunto será por fim utilizado para a revisão detalhada dos restantes materiais.
No caso de ossos do esqueleto apendicular, são isolados os que tenham pelo menos uma epífise completa ou apenas ligeiramente danificada. Não se está a tentar ainda a identificação da maior parte das vértebras nem de costelas. Alguns dentes e elementos mandibulares são isolados para amostragem. As conchas mais facilmente reconhecíveis como os mexilhões, berbigões e amêijoas são contadas e embaladas logo após a secagem.
Também as peças aparentemente invulgares ou que exibam qualquer vestígio de afeiçoamento que sugira a sua eventual utilização como artefactos, são desde logo separadas e etiquetadas. Assim, tem sido possível trabalhar paralelamente a um nível mais especializado com alguns dos testemunhos. Encontram-se nesta situação certas peças de identificação mais delicada, para as quais é exigível uma pesquisa rigorosa.
Em casos pontuais procedeu-se já à obtenção de medidas para comparação com os dados biométricos disponíveis na bibliografia. Esta tarefa só será porém realizada de modo sistemático numa fase mais avançada do trabalho.
Listagem das espécies identificadas até ao momento

MAMÍFEROS

Artiodáctilos
Suídeos
Sus domesticus / scrofa L., 1758 – porco/javali

Cervídeos
Cervus elaphus L., 1758 - veado

Bovídeos
Bos taurus L., 1758 - boi/vaca
Capra hircus L., 1758 - cabra
Ovis aries L., 1758 - ovelha

Perissodáctilos
Equídeos
Equus caballus L., 1758 – cavalo
Equus sp.

Carnívoros
Canídeos
Canis cf. lupus L., 1758 – lobo ?
Canis familiaris L., 1758 - cão

Felídeos
Felis cf. sylvestris Schreber, 1777 – gato bravo ?
Felis catus L., 1758 – gato doméstico
Lynx pardina (Temminck, 1824) – lince ibérico

Lagomorfos
Leporídeos
Oryctolagus cuniculus (L., 1758) - coelho

AVES
Faisanídeos
Gallus gallus L., 1758 – galo / galinha

PEIXES
Gadiformes
Merluccius merluccius (L., 1758) – pescada

Perciformes
· Sparídeo indeterminado

MOLUSCOS
Gastrópodes
Docoglossa
Patellidae
Patella sp. - lapa

Vetigastropoda
Trochidae
Monodonta lineata (da Costa, 1778)
Neotaenioglossa
Littorinidae
Littorina littorea (L., 1758) - borrelho

Neogastropoda
Muricidae
Hexaplex trunculus (L., 1758) - búzio

Bivalves
Mytiloida
Mytilidae
Mytilus edulis L., 1758 - mexilhão

Pterioida
Pectinidae
Pecten maximus (L., 1758) – vieira
Chlamys varia L., 1758

Ostreoida
Ostreidae
Ostrea edulis L., 1758 – ostra redonda
Crassostrea angulata (Lamarck, 1819) – ostra portuguesa

Veneroida
Cardiidae
Acanthocardia sp.
Cerastoderma edule (L., 1758) - berbigão

Solenidae
Solen marginatus Pulteney, 1799 - lingueirão

Scrobiculariidae
Scrobicularia plana (da Costa, 1778) - lamejinha

Veneridae
Venus verrucosa L., 1758 – pé de burro
Tapes decussatus (L., 1758) – amêijoa cristã

CRUSTÁCEOS
Decápodes
Majidae
Maja squinado Herbst, 1788 - santola

Identificações consideradas problemáticas: os casos de lobo/cão e de gato-bravo/doméstico:
As questões concretas referentes à determinação específica das peças do esqueleto de lobo/cão e de gato-bravo/doméstico mostram-se de facto pertinentes, atendendo a que estas espécies são, na realidade, respectivamente as mesmas do ponto de vista biológico. Não existe, nem num caso nem no outro, incompatibilidade reprodutora uma vez que dos cruzamentos entre lobos e cães ou entre gatos-bravos e domésticos resulta descendência fértil. Existe simplesmente uma divergência evolutiva relativamente recente, resultante da domesticação. Por outro lado, a identificação de uma ou a outra variante fenotípica tem, sem dúvida, diferentes repercussões na respectiva interpretação em contexto histórico-arqueológico. Isso justifica a responsabilidade que existe em procurar uma determinação fiável. Assim, pretende-se expor os critérios de diagnose considerados nestes dois casos.

- O possível lobo - Trata-se de uma única peça dentária, nomeadamente um canino superior direito com marca de corte na extremidade da raiz, que provocou a ablação do apex. Provém do quadrado U 5, U.E. 14a , conotável com o século XV segundo A. R. Carvalho. Foi comparado directamente com alguns exemplares homólogos de cães domésticos actuais, sendo um destes de grande porte, embora de raça indeterminada. As dimensões globais do exemplar em causa revelaram-se significativamente superiores a este último. Os diâmetros tirados na base da coroa dentária: mésio-distal (14,7mm) e vestíbulo-lingual (8,7mm) indicam que a referida peça dentária provém de um grande canídeo. Será de um cão doméstico ou do seu provável agriótipo selvagem, o lobo europeu?
Está demonstrado que as dimensões dentárias dos cães domésticos são proporcionalmente inferiores às dos lobos. A domesticação reflecte-se, entre outros aspectos, na redução do tamanho dos dentes, especialmente os caninos e os carniceiros (
Clutton-Brock, J., 1969:306). É bastante expressivo o gráfico apresentado por esta investigadora (fig.1), especialmente considerando que inclui exemplares de Great-Dane e Bloodhound. Segundo Brewer, D. (2001:15), em raças de cães domésticos corpulentos que ultrapassaram a compleição dos lobos, as dimensões dentárias mantêm-se proporcionalmente inferiores, mesmo considerando as linhagens antigas. Este autor cita inclusivamente o caso do São-Bernardo e do Irish-Wolfhound, cujos dentes permanecem relativamente pequenos em comparação com o tamanho atingido pelo crânio. Posto isto, saliento que as dimensões da peça em foco se enquadram próximas dos limites máximos obtidos em Canis lupus actuais adultos da Colecção do Museu Bocage (Pires et al., 2001/2002), e também de jazidas quaternárias portuguesas (Cardoso, 1993a).



Fig. 1: Relação entre o comprimento do dente carniceiro superior e os comprimentos combinados do primeiro e segundo molares superiores em cães, lobos, chacais e canídeos de “Natufian levels” na Palestina. Segundo Clutton-Brock, J. (1969).

Atendendo aos considerandos referidos sobre a proporcionalidade entre as dimensões dentárias e a compleição física do respectivo animal, facilmente se conclui que um dente correspondente a um grande lobo, na variante doméstica teria que corresponder a um cão de compleição extremamente avantajada. De notar também que a maioria das raças muito corpulentas de cães actualmente conhecidas foram geradas em tempos mais recentes do que os contextos de onde proveio esta peça. Até mesmo no âmbito das raças grandes antigas, é necessário que se leve em consideração que os animais agigantados que hoje podemos admirar são normalmente fruto de transformações sofridas com base em selecção artificial moderna e principalmente contemporânea. Este fenómeno deve-se sobretudo à actividade de criadores que produzem exemplares para exibição em concursos e outros eventos públicos.
Quanto às grandes raças portuguesas tradicionais, conforme se pode ver pelo gráfico da fig. 2, apenas o Rafeiro Alentejano ultrapassa ligeiramente (+2 cm) a estatura do Lobo Ibérico, ao nível das espáduas. Os pesos máximos referidos na bibliografia citada são de 50 kg em ambos.


Fig. 2: Valores máximos de altura ao nível da espádua (cm), referentes a lobos (C. l. lupus e C. l. signatus) e a cães domésticos de grande porte. Medidas em raças portuguesas segundo Vasconcelos, R. (1998).
Por outro lado, a existência de lobo em contexto medieval e moderno, eventualmente na Serra da Arrábida, é assunto que deve ser encarado com naturalidade uma vez que esta espécie se encontrava amplamente distribuída pela Península Ibérica até muito recentemente. O seu declínio deu-se principalmente ao longo do século XIX (Castels, A. & Mayo, M., 1993). A toponímia da região também é expressiva: “Casal dos Lobos”, a norte de Sesimbra; “Brejo do Lobo” e “Mata Lobos”, respectivamente a norte e a sul do Pinhal Novo; “Loba”, a este de Palmela.
O lobo é tradicionalmente um animal acossado pelo homem. A má reputação deste animal e os prejuízos que causa ao pastoreio levam a que seja perseguido e morto, situação que invariavelmente ocorreria na região de Palmela, onde existiam extensas áreas florestais, com coutadas reais. A presença, entre os materiais em estudo, de outras peças pertencentes a animais selvagens (veado e lince), são reveladores da actividade venatória.
Os lobos capturados poderiam ser levados para a povoação como troféus de caça, para aproveitamento da pele, e também devido às características medicinais ou de natureza supersticiosa que eram atribuídas a alguns dos seus órgãos. Cito, a título de curiosidade, um interessante exemplo obtido a partir de uma obra da primeira metade do século XVIII, do Doutor Francisco da Fonseca Henriques, médico de D. João V, que refere o seguinte: “Hum cinto de pelle de lobo hé remedio da gotta coral.”; “A carne de lobo prezerva das bruxas os meninos que a comerem.”; “O fígado de lobo tem virtude occulta para curar a gotta coral.” As frases transcritas encontram-se em: “ÍNDICE ALFABETICO – Das coufas mays notaveys defte livro.”
Considerando todas as informações recolhidas, acrescidas das evidências biométricas obtidas até ao momento, referentes a cães domésticos e a lobos, não resta alternativa senão considerar provável a hipótese de se estar na presença de uma peça pertencente a um lobo de compleição avultada. Ressalva-se porém que será importante reunir mais alguns elementos biométricos em caninos superiores de cães domésticos de grande corpulência, para que a identificação possa efectivamente ser dada como inequívoca.

Fig. 3: 1 – Canino superior direito de Canis cf. lupus do Mercado Velho de Palmela (Quadrado U5, U.E. 14ª – século XV).
2 – Canino superior direito de um cão doméstico actual cujo crânio tem 212 mm de comprimento côndilo-basal e 121 mm de largura bizigomática.

- O possível gato-bravo - De entre os materiais analisados, o gato-bravo poderá estar igualmente representado por uma única peça proveniente de: Q, U6-14a. Trata-se de um úmero esquerdo incompleto, fracturado na extremidade proximal, mas com a epífise distal inteira. Os critérios considerados para a classificação desta peça são semelhantes aos relatados para o caso anterior. Na realidade, o osso em questão foi comparado directamente com um homólogo de gato doméstico e com um exemplar de Felis sylvestris cuja identificação foi atestada através da análise biométrica da dentição. A diferença de dimensões é razoavelmente clara. O diâmetro máximo da epífise distal (21,3mm) encontra-se acima da média obtida por Cardoso (1993a), com base em sete exemplares de Felis sylvestris actuais. À semelhança do que sucede com os cães, os gatos domésticos são em regra mais pequenos e menos robustos que os seus parentes selvagens (Barret, P. & Macdonald, D., 1993; Castells, A. & Mayo, M.1993). A existência actual de gatos domésticos de grandes dimensões deve-se, na maior parte dos casos, a indivíduos anómalos ou a modificações rácicas recentemente induzidas. Acresce o facto de existir uma peça homóloga e outras biometricamente atribuíveis a gato doméstico, provenientes do mesmo contexto arqueológico, o que demonstra a coexistência dos dois morfotipos.
Considerando que a pele de gato-bravo foi utilizada e teve valor comercial, este animal era alvo de caça. A Lei de Almotaçaria de D. Afonso III de 26 de Dezembro de 1253 (vide Antunes, M. T., 1989), estabeleceu os preços das peles de varias espécies selvagens, incluindo a de gato-bravo. Embora referente a período histórico mais recuado, tal diploma legal constitui um testemunho da exploração deste animal.
O conjunto dos dados analisados autoriza a considerar a possibilidade de a peça em causa pertencer a Felis sylvestris, espécie que habitou a Serra da Arrábida até muito recentemente. Não é de excluir, também, a possibilidade de uma “hibridação”, ou melhor dizendo, miscigenação, situação comum que, neste caso, parece ser corroborada pelo aspecto um pouco grácil da diáfise (7,2 mm). Deve porém tomar-se em linha de conta que, de acordo com Smith (1969), a fusão da epífise distal do úmero se dá, nos gatos, até aos sete meses de idade e que a fusão da epífise proximal é bastante mais tardia (um a dois anos). Ora, no exemplar de Palmela, é ainda possível distinguir a linha de sutura do epicôndilo medial, na face posterior, junto ao foramen supracondylicum, o que significa que este osso não teria ainda completado a fase de crescimento. Tal aspecto é consubstanciado pela porosidade na parede óssea da região proximal da diáfise, que lhe atribui uma feição juvenil.
Apesar do exposto, é de admitir que a reduzida amostragem de valores referentes a gatos domésticos afecta a possibilidade de serem firmemente estabelecidas as conclusões pretendidas, especialmente considerando que a separação entre gatos domésticos e gatos selvagens está melhor demonstrada ao nível do crânio e em material dentário (Kratochvil & Kratochvil, 1979). Em conclusão, de acordo com os dados considerados, pode afirmar-se que a peça em causa confere com as homólogas de gato-bravo (Felis cf. sylvestris), sem que possa excluir-se, em absoluto, a hipótese de se tratar de um gato-doméstico muito corpulento ou de um animal resultante do cruzamento entre estes.




Fig. 4: Úmeros esquerdos de gatos: 1 – F. catus (Quadrado U6, U.E. 9); 2 - Felis cf. sylvestris (Quadrado U6, U.E. 14a); 3 - F. sylvestris (Algar da Manga Larga – Planalto de Santo António); 4 - Felis catus (Alcácer do Sal – exemplar actual adulto).

A mandíbula de lince
De entre os materiais osteológicos provenientes do quadrado S2-3, foi identificada a hemimandíbula esquerda de um lince. Foi recolhida na unidade estratigráfica 30, que corresponde a um nível de lixeira cronologicamente integrável entre os finais do século XIV e inícios do XVI (Carvalho, 2005). Trata-se de uma peça que apresenta fracturas antigas cuja coloração não difere da observável na globalidade das superfícies. O ramo mandibular ascendente está quebrado, assim como as duas extremidades do côndilo articular e a do processo angular. Os dentes incisivos estão ausentes mas a restante dentição permanece nos respectivos alvéolos. O dente canino encontra-se quebrado, faltando-lhe boa parte da coroa dentária. O terceiro pré-molar está completo e sem desgaste evidente. O quarto pré-molar apresenta indícios de fractura ante-mortem, nomeadamente um lascamento invasor do esmalte dentário na face vestibular, que alcançou o ramo dianteiro da raiz e que apresenta polimento da superfície de fractura causado pelo posterior uso do dente. O protocónido apresenta elevado grau de desgaste que poderá estar também relacionado com uma fractura no extremo coronal, ocorrida em vida, cujas arestas teriam sido ulteriormente boleadas durante a mastigação. O metacónido mostra também algum desgaste da superfície oclusal. O primeiro molar sofreu fractura extensiva, com arestas vivas, que resultou na perda da maior parte da coroa, restando apenas uma parte da face vestibular e a raiz. Em todos os dentes se verifica fissuração profunda.
A dentição plenamente desenvolvida revela um animal adulto, o que facilita as tarefas de comparação biométrica com outros exemplares. Para este efeito foram utilizados os dados obtidos por Garcia-Perea (1991), nomeadamente os relativos às populações actuais de lince-ibérico e de lince-boreal das regiões Centro, Norte e Este da Europa. As medições realizadas na peça em apreço seguiram os critérios descritos pela referida autora:
LC1 (=C1-DMD) – diâmetro mésio-distal do canino inferior ao nível do alvéolo (entre o bordo alveolar anterior e o posterior do C1);
AC1 (=C1-DVL) – diâmetro vestíbulo-lingual do canino inferior ao nível do alvéolo (entre o bordo alveolar vestibular e o lingual do C1);
LP3 (=P3–DMD) – diâmetro mésio-distal do terceiro pré-molar inferior, entre os pontos mais oral e mais aboral do cíngulo;
AP3 (=P3–DVL) – diâmetro vestíbulo-lingual do terceiro pré-molar inferior, entre os pontos labial e lingual mais laterais do cíngulo;
LP4 (=P4-DMD) – diâmetro mésio-distal do quarto pré-molar inferior, entre os pontos mais oral e mais aboral do cíngulo;
AP4 (=P4-DVL) - diâmetro vestíbulo-lingual do quarto pré-molar inferior, entre os pontos labial e lingual mais laterais do cíngulo;
LM1 (=M1-DMD) – diâmetro mésio-distal do primeiro molar inferior, entre os pontos mais oral e mais aboral do cíngulo. De notar que o estado incompleto deste dente no exemplar de Palmela impossibilita a tomada deste medida. No entanto, foi medido o diâmetro máximo do respectivo alvéolo. Por este motivo, o valor surge no gráfico em linha descontínua. O Diâmetro vestíbulo-lingual do alvéolo não foi considerado.
SDI – comprimento da série dentária inferior, desde o bordo alveolar anterior do primeiro incisivo ao bordo posterior do cíngulo do M1. A ausência da porção posterior do cíngulo impede a correcta tomada da medida. De qualquer modo, optou-se por registar a distância entre o primeiro ponto referido e o bordo alveolar posterior do M1. Tal como na situação anterior, tratando-se de um valor aproximado, fica representado no gráfico em linha descontínua.
C1-M1 – distância entre o bordo alveolar anterior do C1 e o bordo posterior do cíngulo do M1. Também neste caso só foi possível obter uma medição aproximada, tendo como referência o bordo alveolar posterior do M1. Representação no gráfico em linha descontínua.
LM – Comprimento mandibular, desde o ponto mais aboral do processo condilar ao infradental. Conforme o anteriormente referido, as extremidades do processo condilar apresentam-se fracturadas, pelo que a medida registada é ligeiramente inferior à que seria obtida caso a peça estivesse completa. Assim, o valor é igualmente representado no gráfico em linha descontínua.

Fig. 5: Diferenças logarítmicas dos limites de dimensões mandibulares e dentárias de lince-ibérico e lince-boreal, em relação às médias referentes a L. pardina ♂, segundo valores obtidos por Garcia-Perea (ob. cit.).

A leitura do gráfico exposto permite verificar que, como seria de esperar, a presente peça mandibular se enquadra nas dimensões referentes a lince-ibérico. Os valores apresentam-se muito próximos dos máximos referentes a esta espécie e abaixo dos mínimos obtidos em exemplares de lince-boreal, exceptuando o diâmetro vestíbulo-lingual do canino que ultrapassa muito ligeiramente o valor máximo em L. pardina, representando um insignificante aumento da faixa de sobreposição deste parâmetro biométrico entre as duas espécies. Todas as medidas se revelaram superiores às médias para machos das populações ibéricas e, com excepção do P3, também acima das dimensões máximas para fêmeas. De notar que os valores máximos do P3 são semelhantes em ambos os sexos, não possuindo portanto carácter discriminante. Em oposição, o comprimento mandibular (LM), o da série dentária inferior (SDI), o C1-M1 e os diâmetros do canino são todos considerados muito significativos para este efeito, de acordo com o teste t de Student, segundo Garcia-Perea (1991:267). Tal permite concluir que a hemimandíbula de Palmela pertenceu a um exemplar de L. pardina macho de compleição bem desenvolvida.
Na peça em apreço não foram assinaladas marcas evidentes de corte. Existe apenas um pequeno golpe no bordo inferior do ramo mandibular horizontal, com menos de 2 mm de extensão, aparentemente realizado por gume afiado.


Fig. 6: Hemimandíbula esquerda de lince-ibérico macho proveniente do Q. S2-3, U.E. 30.

No dealbar do período moderno o lince era certamente uma espécie com ampla distribuição na Península Ibérica. Era caçado para aproveitamento da pele e devido à sua reputação de predador voraz que matava as criações domésticas e destruía os recursos cinegéticos. Esta imagem negativa sobre o lince atingiu contornos que roçam o absurdo, conforme se pode perceber pela seguinte citação de Galvão et al. (1943-1945:135): “O lince é um dos animais mais cruéis da criação... É sanguinário e cruel, muito além das suas necessidades - doentiamente, como certos sádicos. Mata por prazer, porque o sangue e a agonia das vítimas o deleitam... Se tivesse a corpulência e o poder de um tigre ou de um leão, seria o bicho mais terrível do reino animal... depois do homem é claro.” (sic). Tal fama deve-se sobretudo a alguns dos padrões observados no modo de consumir as presas. No caso dos coelhos é frequente rejeitar parte significativa da presa, particularmente a componente não muscular das pernas traseiras, o estômago, os intestinos e ocasionalmente a cabeça e partes da pele. Dos ungulados consome apenas o músculo, normalmente das zonas mais carnudas dos membros (Castells & Mayo, 1993).

Breve apontamento histórico
É fundamental o conhecimento detalhado do enquadramento político, social e económico relativos ao período de tempo em que se formou o depósito de onde provieram os materiais em estudo. A ponte entre o conhecimento histórico e a investigação estritamente arqueozoológica é crucial, particularmente neste tipo de contextos em que é possível confrontar os testemunhos materiais com os documentais.
A presença de um interessante conjunto de vestígios atribuíveis a fauna selvagem poderá estar em conformidade com alguns aspectos registados da evolução política e social no período abrangido. Recorde-se que durante o Portugal medievo, a realeza não reconhecia ao povo o direito à caça, apesar dos protestos populares (Barros, H., 1885-1922). O problema agudizou-se especialmente no reinado de D. Afonso V, levando este monarca a promulgar um conjunto de leis, posteriormente coligidas no “Livro Vermelho”, respeitantes aos limites das coutadas reais. Esta legislação reconhecia o direito à caça pelas populações e fixava períodos de defeso em relação à captura de algumas espécies. Foram também interditas determinadas técnicas específicas de captura, consideradas particularmente destrutivas (Galvão et al. 1943-1945). De qualquer modo, a maior abertura à possibilidade de qualquer um caçar de modo não furtivo, influenciou seguramente a intensidade da exploração de animais selvagens. Face a estes dados, a quantificação das proporções dos restos de animais selvagens e domésticos e a respectiva comparação com estudos arqueozoológicos de contextos um pouco mais recuados, poderá trazer alguma luz sobre as consequências da legislação adoptada e a sua influência nos hábitos quotidianos em Palmela.

Perspectivas de trabalho
· As tarefas estão de momento interrompidas por falta de disponibilidade do autor. Falta concluir a lavagem dos materiais para prosseguir com as tarefas de identificação taxonómica.
· As contagens terão lugar após a revisão sistemática, de modo a que seja possível averiguar as proporções das espécies representadas. Em cada espécie, vão ser igualmente definidos os índices de representatividade de cada segmento anatómico. Pretende-se realizar as seguintes quantificações:
- NTR = número total de restos;
- NRDT = Número de restos determinados;
- Número de restos de cada espécie;
- NMI = número mínimo de indivíduos de cada espécie.
· Outro aspecto que irá ser considerado consiste na averiguação das idades de abate em algumas das espécies.
· As alterações provocadas nos ossos tais como: marcas de corte, polimentos, afeiçoamentos, incisões e outras serão registadas e analisadas.
· Algumas patologias ósseas foram já detectadas e outras mais poderão surgir ainda. A interpretação das causas que lhes deram origem é mais um dos objectivos que se pretende atingir.
· A medição normalizada das peças permitirá estabelecer comparações biométricas com dados equivalentes publicados, referentes a outros períodos cronológicos. Este tipo de abordagem poderá trazer informações sobre eventuais melhoramentos ou modificações das espécies domésticas.
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quarta-feira, setembro 20, 2006

Cerâmicas Merinidas exumadas em Palmela

Resumo
A intervenção arqueológica que decorreu no Mercado “ Velho “ de Palmela em 2002, permitiu a recolha de um volume imenso de documentação arqueológica.
A abordagem preliminar à documentação arqueológica exumada, permitiu documentar aspectos novos do quotidiano medieval, que permitem uma nova leitura do quotidiano no Baixo Sado.
De facto identificamos elementos referentes às actividades económicas, como é a caça e a tecelagem. Identificamos aspectos íntimos como parece indicar a presença de miniaturas em cerâmica, vocacionadas para a aprendizagem das meninas para as lides domésticas. A violência também está presente de forma dramática com a identificação de restos humanos na lixeira e os afectos também marcam presença pelo achado de um anel provavelmente de casamento.
Em suma, o espolio exumado no Mercado parece revelar-se bastante completo em relação ao quotidiano de Palmela em finais da Idade Média e tem permitido uma melhor compreenção em relação a outros conjuntos documentais arqueológicos como é o caso presente de Alcácer do Sal, onde a presença ou ausencia de determinadas peças possui uma explicação.
Já foi efectuado um primeiro estudo preliminar que já saiu na revista al Madan e neste trabalho iremos abordar outros aspectos que foram omitidos no referido artigo.

Abstract
This paper presents the results of the archaeological digging take place in Mercado “ Velho “ de Palmela, in historical centre of Palmela village.
The archaeological work reveals important information about the day life in Palmela in Late Middle Age, between XIV and XV centuries, showings many things from economics activities, social life, fishing, hunting and war.
Like a surprise, we found same pottery from the XIV century, made in Ceuta and Féz in the Banu Marin sultanat.

1. A intervenção Arqueológica.
O sitio arqueológico, que foi objecto de trabalhos arqueológicos
[2], encontra-se definido entre a Rua Hermenegildo Capelo e a Rua Mouzinho de Albuquerque, e localiza-se em pleno centro histórico da Vila de Palmela[3].
A intervenção arqueológica
[4] ocorreu no espaço deixado livre pela demolição de todo o conjunto de edifícios de propriedade camarária e que ameaçavam ruína.
Os resultados obtidos revelaram-se uma surpresa inesperada em termos de documentação arqueológica, que veio enriquecer de forma notável, o conhecimento que tínhamos sobre a evolução e quotidiano Tardo Medieval na área urbana de Palmela
[5].
O local encontra-se igualmente inserida na Zona Especial de Protecção do Castelo de Palmela, definida pela Portaria n.º 944/85, D.R., 1ª série, n.º 288 de 14 de Dezembro.
A intervenção arqueológica teve lugar entre 16 de Setembro e 11 de Outubro de 2002.
O trabalho foi integralmente financiado pela Câmara Municipal de Palmela.
O desenho de campo e o trabalho de topografia, foi efectuado no decurso da escavação arqueológica e prolongou-se até ao dia 15 de Novembro.
Uma das condicionantes que nos deparamos no decurso da escavação, foi uma fase de mau tempo, (algumas semanas) que condicionaram a progressão adequada dos trabalhos.
Em termos de resultados, podemos agrupar os quadrados intervencionados em dois grupos;
- Os que forneceram documentação e níveis estratigráficos e os que revelaram ausência de níveis arqueológicos.
Esses elementos permitiram elaborar o quadro que se apresenta:

1.1.A Escavação
Os trabalhos tiveram início no dia 16 de Setembro de 2002, após ter sido implantada no local pela equipa de topografia da autarquia, uma quadrícula que ocupasse toda a área que iria ser intervencionada.
A malha, com quadrados de 2 por 2 m, foi orientada de W a E, e de N a S.
No sentido N-S, foram atribuídos números por ordem crescente. (de 1 a 11)
No sentido W-E, foram atribuídas letras ordenadas por ordem alfabética. (de I a U).
O acompanhamento que efectuamos no decurso da demolição não foi claro acerca do potencial arqueológico do local. De facto ficamos com a ideia vaga de que o local seria estéril arqueologicamente, à semelhança de outras situações anteriormente detectadas no centro histórico de Palmela.
Face a esses dados, e como desconhecíamos por completo a realidade arqueológica existente, decidimos em termos de abordagem, seleccionar algumas sequências de quadrados distintos, para efectuar sondagens.
A primeira selecção de quadrados, incidiu no espaço que correspondia ao chão do Mercado.
Iniciamos os trabalhos nos quadrados L10, L11, M10, M11, N10, 09, 010 e P9.
Não foi surpresa nenhuma, quando logo após termos decapado o nível de superfície, a U. E. 1, entre 10 e os 20 cm, ter surgido a base geológica, que neste local da escavação corresponde às camadas de arenitos arenosos e calcários do Miocénico de Palmela.
A base geológica apresentava-se rudemente desventrada, resultando da escavação efectuada nos anos 40 e inícios de 50 do século passado, quando foi erguido o edifício do Mercado Municipal.
Os outros quadrados intervencionados e também seleccionados de forma aleatória, o R5 e o S5, foram escolhidos, porque se localizavam quase a meio do espaço anexo ao Mercado, num terreno ocupado por moradias antigas que teriam sido poupadas em termos de escavação mecânica, nos anos 40/50.
Os resultados foram decepcionantes, porque os níveis de argila que afloravam à superfície, correspondem à sequência estratigráfica geológica do local.
Entretanto, efectuamos sondagens nos quadrados Q 7, Q 8, R 7, R 8, S 7 e S 8.
Como prevíamos, aflorou novamente a base geológica, ora constituída por argila ou arenitos.
Foi identificado um muro, que fazia parte da habitação aí existente. Junto ao alçado dessa estrutura foi possível detectar uns resquícios estratigráficos com escasso espólio arqueológico.
Face a estes resultados, iniciamos a limpeza dos quadrados T6 e U6.
Retirada a U.E.1, as unidades estratigráficas seguintes revelaram uma fraca potência, associada a escasso espólio arqueológico de meados do Século XVI (1ª metade).
Paramos momentaneamente a sondagem ao nível da U.E.7.
No final da primeira semana começou a chover. Situação que permitiu lavar em extensão a área que estávamos a intervir. Essa acção de lixiviação permitiu a remoção de lixos recentes e de camadas finas resultantes da demolição.
Uma análise mais atenta, permitiu verificar a ocorrência de escassa cerâmica vidrada dos finais do século XV e inícios do XVI que aflorava à superfície do quadrado T4.
No inicio da segunda semana de trabalhos, demos inicio a uma sondagem nos quadrados T4 e T5.
Iniciamos a sondagem, efectuando uma decapagem da U.E.1 (restos da demolição). Esta unidade estratigráfica cobria toda a área, mas apresentava diferentes espessuras.
Ao contrário do que tinha acontecido nos quadrados atrás referidos, após retirarmos uma película de 5 a 10 cm de lixos, resultantes da demolição, deparamo-nos com uma camada de cor escura, rica em matéria orgânica e cerâmicas dos séculos XV/XVI.
Designamos esta unidade estratigráfica, como U.E. 14 a.
Ao longo da segunda semana e no decurso da terceira semana, verificamos que esta camada correspondia a uma lixeira e que se estendia para sul (T6, U5 e U6) e para norte. (S4, S3, S2, R3, R2, R1, Q3, Q2, Q1, P3, P2, O3, O2, N3, N2 e M3).
O espolio exumado foi imenso e centrava-se grosso modo no século XV.
Face aos resultados decepcionantes que tínhamos obtido nos quadrados referentes ao espaço do Mercado, demos por concluída a escavação nesse sector e investimos na escavação integral da lixeira.
Tarefa que conseguimos na íntegra, porque como podemos depois verificar, a área intervencionada abrangeu na sua totalidade a referida lixeira.
A lavagem integral do espólio recolhido, já permitiu a identificação de novas variantes de formas cerâmicas, no âmbito das tipologias quinhentistas de Palmela.

1.2. Estruturas e Compartimentos
A remoção da U.E.1, permitiu a identificação de um conjunto de estruturas e compartimentos.
Como seria de esperar, no espaço ocupado pelo edifício do Mercado, os únicos elementos estruturais que conseguiram sobreviver da demolição, correspondem na sua totalidade, ao edifício do século XX aí edificado.
Não foram identificados estruturas ou espólio de épocas ulteriores, porque como já foi referido, a construção do edifício no século XX levou à escavação integral do subsolo e o piso térreo foi assente directamente na rocha.
Panorama radicalmente oposto foi identificado no espaço correspondente às edificações anexas ao Mercado e que correspondiam à malha construtiva primitiva.
Apesar da demolição e da remoção dos entulhos efectuados logo em seguida, essa acção parece ter afectado muito pouco, as unidades estratigráficas e as estruturas aí existentes.
Foi definido um total de 10 muros e de 5 compartimentos.
Iremos apresentar neste estudo uma descrição das estruturas do Compartimento 1.

1.2.1. Estruturas do Compartimento 1.
● ( muro 1, muro 2, muro 3 e muro 5).
► Muro 1. - Estrutura que estabelece a separação entre a área que numa fase de abandono foi usada como lixeira e o substrato geológico argiloso e rochoso, que aflora do lado poente.
Este apresenta um aparelho, constituído por pequenas lages de arenito de Palmela, revelando um certo cuidado, encontrando-se cobertos por uma argamassa de areão de cor avermelhada, só na fase voltada para a lixeira.
Na fase oposta, o aparelho é pouco cuidado e a pedra utilizada não se apresenta talhada e é de maior dimensão, ligada entre si por terra barrenta, que contacta directamente com a vala de construção que foi talhada na bancada de argila vermelha e rocha que aflora nesta área.
No troço que definimos por A, que corresponde aos quadrados U7, U6 e T5, o muro assenta sobre o afloramento rochoso da base geológica e a argamassa que o cobre é mais fina e algo deteriorado o que permite ver o tipo de aparelho aí existente.
No troço seguinte, o muro apresenta duas tipologias construtivas diferentes que denominamos de B e C.
O troço C, correspondendo à base da estrutura neste sector, apresenta um aparelho tosco, pouco cuidado, constituído por pedra rolada de grandes dimensões, ligada entre si pelo areão que resultou da desagregação lenta do afloramento rochoso.
O troço B, apresenta o tipo de aparelho cuidado já detectado no troço A, contudo a argamassa de areão é nesta zona mais espessa.
Mais para norte, este muro apresenta um prolongamento muito ténue, que serve de base ao muro 9.
► Muro 2. - Estrutura com um aparelho similar ao descrito no muro 1, no seu troço A.
O seu posicionamento em relação ao muro 1, o tipo de aparelho e da argamassa que cobre a face visível, permite supor que ambos serão contemporâneos. É provável que definisse a lixeira na sua ponta mais a sul. A estrutura prolonga-se por debaixo da rua Mouzinho de Albuquerque, na sua zona de confluência com a rua Hermenegildo Capelo.
► Muro 2. - Estrutura com um aparelho similar ao descrito no muro 1, no seu troço A.
O seu posicionamento em relação ao muro 1, o tipo de aparelho e da argamassa que cobre a face visível, permite supor que ambos serão contemporâneos. É provável que definisse a lixeira na sua ponta mais a sul. A estrutura prolonga-se por debaixo da rua Mouzinho de Albuquerque, na sua zona de confluência com a rua Hermenegildo Capelo.
► Muro 3. - Estrutura de aparelho pouco cuidado, com grandes blocos de pedra na base e de menor dimensão por cima. Constituída por pedras de arenito de Palmela, ligados entre si por uma argila de cor avermelhada. Assenta directamente sobre a lixeira. Encontra-se separada do muro 1, por um fino nível de terra. Encontra-se ligado aos muros 4, 5 e 6.
► Muro 5. - Estrutura de aparelho cuidado, constituída por pedra de Palmela, ligada entre si por uma argamassa de cor amarelada. Apresenta uma tipologia de construção que é comum encontrar na área urbana de Palmela, a partir dos inícios do século XVII.

1.3. Unidades Estratigráficas.
A escavação integral do espaço do Mercado permitiu identificar um conjunto de 31 unidades estratigráficas.
Apesar do grande número de unidades estratigráficas identificadas, a grande maioria correspondiam a pisos que não forneceram espolio arqueológico.
De forma a sintetizar a informação obtida elaboramos um quadro que apresentamos em seguida.
Para ilustrar parte da realidade estratigráfica identificada, seleccionamos desta vez o perfil 2
[6].

● Perfil 2
O Perfil em análise, apresenta a sequência estratigráfica obtida, de Sw para Ne, no limite norte da área intervencionada. A intervenção neste espaço, permitiu demonstrar que a lixeira tardo medieval, prolongava-se um pouco mais para norte, para o actual espaço público do Largo do Mercado. Detectou-se uma expansão da área habitacional após a desactivação da lixeira. Os edifícios que foram demolidos, representam um retrocesso da área ocupada ulteriormente a partir do século XVI.
U.E. 5 – Corresponde à calçada actualmente existente no Largo do Mercado.
U.E. 9 – Bolsas de revolvimento de terras, que foram efectuadas no decurso das obras do Mercado Velho, (meados dos anos 50 do século passado). Apresenta uma cor acastanhada escura intensa por causa dos carvões que aí foram depositados, como complemento do sistema eléctrico do Mercado. O espólio que foi recolhido corresponde unicamente à lixeira designada por unidade estratigráfica 30. As outras unidades estratigráficas que foram misturadas e que correspondem a pisos, não apresentaram espólio arqueológico.
U.E. 10 – Grande bolsa de entulhos, de pedra seca (arenito de Palmela), misturada com argila de cor avermelhada. Ausência de espolio arqueológico.
U.E. 11 – Camada de cor amarelada, constituída por entulhos (arenito de Palmela) de meados do século XX. Ausência de espolio arqueológico.
U.E. 12 – Piso de areia de cor amarela. Ausência de espolio arqueológico.
U.E. 13 – Nível de argila avermelhada, que contêm alguns fragmentos de estuque de cor branco. Ausência de espolio arqueológico.
U.E. 17 – Piso de areia de cor amarela. Ausência de espolio arqueológico.
U.E. 18 – Sedimento de cor acastanhado/avermelhado. Apresenta escasso espólio cerâmico de finais do século XV e inícios do XVI. Corresponde ao final da lixeira.
U.E. 30 – Corresponde à lixeira tardo medieval, que nos quadrados S, T e U, designamos como unidade estratigráfica 14. A razão de designarmos com outro número esta unidade estratigráfica da lixeira, nestes quadrados, prende-se com as ligeiras mudanças detectadas a nível de espólio e textura do sedimento. Apesar de se tratar de uma lixeira, nas unidades estratigráficas 30 e 31, o sedimento é mais espesso, de cor negra mais clara e apresenta menor espessura média. O espólio encontrado é de meados do século XV e alcança os inícios do século XVI, facto que não observamos nas unidades estratigráficas, 14 e 15.
Os elementos expostos, permitem verificar que a lixeira não se formou de uma só vez, mas é o resultado de um processo lento de mais de um século (com inicio em finais do século XIV e terminando nos inícios do século XVI), e crescendo em comprimento, de sul para norte.

2. A Documentação Arqueológica.
No nosso primeiro estudo sobre o Mercado, apresentamos uma síntese sobre as cerâmicas exógenas aí exumadas.
Os dados obtidos permitiram concluir a existência de uma elite endinheirada, que habitava algures na Vila de Palmela, que lhe permitia acesso a produtos prestigiados e de luxo.
No âmbito das cerâmicas exógenas, demos a conhecer uma rara produção específica do Reino Merinida de Marrocos de meados do século XIV.
Trata-se de uma peça até ao momento única em Portugal e mesmo em Espanha, nessa altura dividida entre Castela e Aragão. Dado o seu interesse cientifico, voltamos novamente a apresenta-la em conjunto com uma outra, a nº 400 que na altura ainda não tinha sido identificada como tal.

2.1. Catálogo da cerâmica merinida
Numero de inventário: -MP 144.
Fragmento de bordo de caçarola. Possui um diâmetro de bordo de 30 cm A superfície interna e bordo, encontram-se cobertos por uma fina película de vidrado melado. A superfície externa e a aplicação plástica encontram-se cobertas por um espesso engobe de cor cinza. Parte do vidrado escorreu na zona do lábio e um fio cobriu a superfície externa. A pasta apresenta-se levemente cinzenta junto à superfície externa e avermelhada junto à superfície interna. Contêm elementos não plásticos de grão fino de cor branca, outros de cor avermelhada

Numero de inventário: -MP 400.
Fragmento de fundo de taça carenada. Junto á carena no lado exterior apresenta uma sucessão de pequenos sulcos em forma de meia-lua. A superfície interna e bordo, encontram-se cobertos por uma fina película de esmalte de cor verde escura. A pasta apresenta-se de cor beje escura. Contêm elementos não plásticos de grão fino de natureza indeterminada.

Comentário
Segundo Abdallah Fili no seu estudo sobre “La céramique de la madrasa mérinide al-Bu ´inaniyya de Fés", e que podemos transpor para as restantes produções merinidas encontradas em Marrocos, as cerâmicas desta época, são geralmente mais sóbrias nos seus programas decorativos, em relação às nazaris suas contemporâneas, porque os oleiros do reino merinida seguem os valores do islão segundo a tradição almoada que continua vigente em certos aspectos do quotidiano.
Esta afirmação entra em contradição com a postura oficial dos merinidas, que aboliram a tradição almoada e repuseram a tradição maliquista.
Posteriormente, em Setembro de 2005 estivemos juntos no encontro internacional sobre a Medina islâmica em formação, onde tive a oportunidade de apresentar alguns materiais cerâmicos exumados em Palmela e Alcácer do Sal.
Não havia dúvida que estávamos em presença das únicas cerâmicas merinidas do século XIV exumadas em contexto estratigráfico fora do norte de Africa e que tal facto representava um contacto com o sultanato dos Banu Marin antes da conquista Portuguesa de Ceuta, facto documental arqueológico até então desconhecido.
Os melhores paralelos que encontramos para a peça exumada no Mercado de Palmela, correspondem aos conjuntos de caçarolas provenientes dos níveis do século XIV de Ceuta
[7] e Fés[8].
Segundo Abdallah Fili, a peça com o nº de inventário – 144 é claramente uma produção de Ceuta que era famosa em contexto merinida pelas suas cerâmicas que exportava para outras regiões do Reino de Fez até ao longínquo Sus, a sul da cordilheira do Atlas.
A referida peça (MP-144) apresenta um tipo de bordo específico das produções merinidas e que não encontramos nas formas semelhantes e contemporâneas, produzidas no reino de Granada.
Como já foi referido, as produções merinidas são raras na Península Ibérica e as conhecidas como tal e antes de 2002, remontam ao século XIII e foram encontradas no território andalus que esteve debaixo do seu domínio directo.
Ou seja, foram identificadas em Algeziras, que foi escolhida pelos Banu Marín para sede do seu domínio territorial no al-Andalus, no âmbito da Jhiad levada a efeito a partir de 1275, pelo soberano merinida, Abu Yusuf Ya´kub.
Essa intervenção no al-Andalus termina pouco depois de 1286 no reinado de Abu Ya´kub Yusuf (filho do primeiro), quando este teve que fazer frente aos ataques dos soberanos Zaiânidas, actual Argélia.
Trata-se de um conjunto cerâmico, proveniente de níveis estratigráficos seguros, dado a conhecer por Torremocha Silva et all, datado de finais do século XIII a inícios do século XIV.
Algumas das formas exumadas em Algeziras, são semelhantes a algumas peças cerâmicas exumadas no Dar al-Imiara Alcacerense, mas aparentemente ausentes em sítios coevos almoadas de Portugal. Será que se tratam de produções merinidas, de finais do século XIII, e não almoadas, como temos considerado até ao momento?
Esta questão torna-se interessante e torna necessário rever algumas produções duvidosas exumadas em Alcácer do Sal.
Face ao exposto, é difícil traçar o percurso que a peça merinida exumada em Palmela teve que efectuar para chegar até aqui, porque a sua aquisição é sempre variada.
Pode ser produto de pirataria ou de comércio. Poderá ter sido adquirida por cristão ou mouro, português ou estrangeiro.
Até ao momento, trata-se de um exemplar único em território português, havendo a possibilidade de dois exemplares provenientes do Castelo de Alcácer do Sal, de cronologia de finais do XIII, inícios do XIV, serem igualmente produções Merinidas.
Uma boa proposta de trabalho é considerar que a sua presença em Palmela ou Alcácer, ter sido possível graças à liberdade de acção dos comerciantes judeus residentes ou com interesses em Palmela e Alcácer, que manteriam uma rede de comércio ou contactos de outra natureza com comunidades judias residentes no Reino de Fez. Talvez estes contactos que também poderiam assumir posturas de “espionagem”, tenham permitido aos portugueses um bom conhecimento estratégico de Ceuta antes da sua conquista no início do século XV, numa altura coincidente com a decomposição politica do Sultanato Merinida.
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Bibliografia.
CARVALHO, A R. ( 2005). Intervenção Arqueológica no “ Mercado Velho de Palmela “: Primeiros resultados. Publicação on-line da revista Al-Madan, série II, nº 13.
FERNANDES, I.C.; CARVALHO, A R. (1993) Arqueologia em Palmela 1988/92. Catálogo da exposição. Ed. Câmara Municipal de Palmela.
FILI, A,( 2000). La céramique de la madrasa mérinide al-Bu ´inaniyya de Fés., Actas do encontro sobre Cerámica Nazarí y Mariní, pp. 259-290.
TAVARES DA SILVA, C.; SOARES, J.; DUARTE, S.( 2004). Preexistências de Setúbal. Intervenção arqueológica na Rua António Maria Eusébio, 85-87. Musa, 1, páginas 137-152.
REDMAN, C.L.; BOONE, J.L.(1979) Qasr es-Seghir (Alcácer Ceguer): a 15 th and 16 th century Portuguese colony in North Africa, Separata de Stvdia, nº 41-42.
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[1] Arqueólogo responsável pelos trabalhos arqueológicos no Mercado.
[2] Os trabalhos arqueológicos tiveram início em Setembro de 2002, após a autorização dada pelo Instituto Português de Arqueologia.
[3] Sede do Concelho de Palmela. Área Metropolitana de Lisboa. Distrito de Setúbal.
[4] Participaram nos trabalhos de campo, o Jorge Oliveira e quatro trabalhadores indiferenciados. No desenho de campo contamos com o Francisco Cebola. No trabalho de gabinete, participaram as colegas Fátima Felicíssimo, Cláudia Dias de Oliveira e o Frederico Regala.
[5] Acrescentando novos dados reverentes à paleocupação da área urbana de Palmela, na Antiguidade Tardia e Período Islâmico.
[6] O perfil 1 foi apresentado no estudo sobre o Mercado Velho, que foi publicado on - line na revista al Madan nº 13.
[7] Hita Ruiz e Villada Paredes, 2000. Una aproximación al estudio de la cerámica en la Ceuta mariní., actas do encontro sobre Cerámica Nazarí y Mariní, pp. 291-328.
[8] Fili, 2000. La céramique de la madrasa mérinide al-Bu ´inaniyya de Fés., actas do encontro sobre Cerámica Nazarí y Mariní, pp. 259-290

Cerâmicas Merinidas exumadas em Palmela: Algumas fotografias da intervenção arqueológica de 2002

Aspecto geral das estruturas exumadas na área da "lixeira".
Correspondem a muros de meados dos séculos XVII a XIX
O local no primeiro dia de escavação, sendo visível o afloramento geológico. (arenitos e argilas do Miocénico).
Nada fazia supor que iriamos exumar um conjunto impar de documentação arqueológica de meados dos séculos XIV a XVI, que iria renovar o estudo destes contextos cronológicos no Baixo Sado, especialmente em Alcácer do Sal. Por estranho que pareça, a documentação arqueológica deste periodo exumada em Setúbal (aquilo que me foi dado a observar) é pouco variada!, o mesmo acontecendo em Sesimbra.

A base da lixeira e o muro 1.

Idem

O mesmo local no inicio da escavação do estrato correspondente à lixeira tardo medieval.

Idem

terça-feira, setembro 19, 2006

Cerâmicas Merinidas exumadas em Palmela: Anexo de desenhos, gráficos e perfís



Comparação entre a cerâmica exumada em Palmela/Mercado Velho, provávelmente fabricada em Ceuta, em meados do século XIV (segundo Abdallah Fili que analizou a peça em 2005, no encontro de Arqueologia Islâmica de Silves), e algumas peças similares encontradas em Ceuta.
Trata-se de uma forma comum em Marrocos. Não conhecemos paralelos para os Reinos Cristão peninsulares e Reino Nazari.


Ver a descrição das unidades estratigrágicas no texto deste trabalho.

Portugal e o Reino Merinida ou de Féz em meados do século XIV, antes da conquista portuguesa de Ceuta, mostrando alguns locais (a verde) onde apareceram peças semelhantes ao exemplar de Palmela.

Mapa político do Mediterrâneo Ocidental em meados do século XIV/inicios do século XV, periodo de funcionamento da lixeira. Os limites politicos são aproximados.

Cerâmica merinida de meados do século XIV. Segundo analise de Abdallah Fili, poderá ser uma produção de Féz.
Trata-se de uma taça com pé em anel e coberta por espesso esmalte de cor verde, de tom escuro. Apresenta junto á carena um conjunto impresso de meias luas.


Planta geral das estruturas identificadas. Só o muro 1 é contemporâneo das peças merinidas. as outras estruturas são posteriores e correspondem à desactivação da lixeira em meados da segunda metade do século XVI

Planta geral da área arqueológica intervencionada.





Planta síntese da área intervencionada, mostrando o potencial de informação arqueológica identificada.

segunda-feira, agosto 21, 2006

Um dirham almoada encontrado em Alcácer do Sal: Elementos para o seu estudo.





As reservas do museu municipal Pedro Nunes contêm um elevado número de moedas de cronologia romana e portuguesa, que foram objecto de doações de particulares e de trabalhos arqueológicos que foram efectuados ao longo de décadas na área urbana de Alcácer e no concelho.
Apesar dos 5 séculos de presença islâmica na nossa cidade, o número de moedas existentes no museu é de 3 exemplares, o que revela uma situação um pouco estranha tendo em conta a riqueza que esta cidade teve nesse período e as trocas comerciais que manteve com o Norte de África e o Oriente.
Achamos que este não é o espaço adequado para nos debruçarmos sobre esta questão, mas aproveitamos esta oportunidade para apresentar a única moeda almóada existente no nosso museu e que terá sido cunhada entre 1191 e 1216.

Face 1. – Tradução:

Não (há) deus sem Deus
Todo o poder dele (é) para Deus
Não (há) força senão em Deus

(Contêm a cidade onde foi cunhada, mas a sua grafia apresenta dificuldades de leitura. Apesar da sua semelhança com a palavra Fés, também poderá significar Qasr)

Face 2. – Tradução:

Deus é nosso Senhor
Maomé, nosso enviado
Al-Madhi nosso Imã

O dirham em prata que apresentamos nesta breve nota, representa no seu conjunto, em termos da forma quadrada e de mensagem religiosa que encerra, uma clara ruptura com a prática monetária islâmica anterior.
Estudos mais recentes sobre o Califado Almóada e o seu programa político/religioso, têm vindo a demonstrar que terá existido uma clara ruptura entre os Almóadas e a corrente sunita da escola Malikista que sempre foi dominante no al-Andalus.
Por outro lado, em que data começam a circular os dirhem almóadas em Alcácer?
Em principio, nem sempre muito linear, essas moedas, expressão de um poder, só tem sentido se circularem num espaço económico sujeito a um determinado poder.
Importa por isso, saber em que altura Alcácer é inserida no império almóada. Uma leitura apressada dos acontecimentos políticos induz a pensar que esse momento só terá acontecido em 1191.
Uma análise mais detalhada da conjuntura politica pós-almorávida e dos reinos de taifa, permitem supor um quadro algo complexo que necessita de mais investigação, contudo pensamos que terá sido antes de 1191.
O que terá ocorrido em Alcácer neste período?
Numa primeira fase, em meados de 1147 e pouco depois, terá circulado em Alcácer as moedas almorávidas e as do soberno taifa de Évora, Ibn Wazir.
Quando este aceita o poder almóada, terão cesado as emissões monetários em seu nome e torna-se corrente a circulação das moedas almóadas.
Nesta fase algo confusa, Alcácer terá ficado autónoma de Évora num lapso de tempo suficiente para as elites alcacerenses terem convidado para seu soberano um chefe militar de Tavira chamado ali al-Wahibi.
Esta aliança durou pouco, porque Ali al-Wahibi foi assassinado pouco depois pelos alcacerenses que já não conseguiam pagar tanto imposto ao Reino de Portugal.
Optou-se imediatamente pela soberania nominal Almóada, mas na ausência provável de tropas em número significativo, os alcacerenses não conseguiram evitar a conquista portuguesa de 1160.
Após 30 anos de domínio cristão, em 1191 Alcácer entra por conquista no Império Almóada e será nessa altura que recomeça a circular os dirham.
O exemplar existente em Alcácer que apresentamos nesta nota, apesar de ser de proveniência desconhecida, supomos que terá sido encontrado no interior do Castelo.
A sua tradução em português foi obtida no estudo efectuado por António Medina Gómez, no livro que publicou em 1992 sobre “ Monedas Hispano-Musulmanas
[1]“.
Segundo o autor, trata-se de uma série com esta legenda em ambas as faces e que foi cunhada no Norte de Africa e no Al-Andalus em lugares anónimos e noutros como é o caso de: - Tlemecen, Argel, Bugia, Tunis, Ceuta, Fés, Mequinez, Marraqueche, Segilmesa, Rabat, Tinmal, Al-Sus, Sevilha, Jerez, Córdova, Jaén, Granada, Málaga, Múrcia, Valência, Maiorca, Menorca, Dénia, Al-Andalus.
O facto de se tratar de uma série anónima, no sentido em que não têm data e o nome do Califa, mas conter o local onde foi cunhada, têm levado outros autores a levantarem a hipótese de este tipo de moeda, com citações do livro sagrado ter uma função clara de propaganda dentro do dogma almóada e assim a cidade referida seria inserida no grupo restrito de “lugares sagrados “ definidos pelo califa almóada.
Tal prática procurava acima de tudo fazer concorrência com o oriente dominado pelos Ayyubias e insentivava os fieis muçulmanos a fazerem peregrinação dentro do espaço imperial almóada, evitando deslocações a Meca.
Um dos critérios para considerar uma cidade sagrada era a sua conquista dentro do império almóada, com os seguintes atributos: - Se esta tinha sido difícil e se o representante máximo do estado estava presente.
A análise da documentação da época, prova que o califa esteve pessoalmente em 1191 a comandar a conquista de Alcácer aos Portugueses e que após ter entrado na cidade resolveu mudar de nome, para al-Qasr al-Fath./Alcácer da Vitória.
Pensamos que reside neste facto, a mudança de nome, a prova que o Califa Ya´qub al-Mansur estava determinado em transformar Alcácer numa “ cidade sagrada de peregrinação “, que na época seria um dos factores mais importantes para atrair voluntários da Yhiad para defenderem a fronteira.
Outra forma mais eficaz para transmitir esta nova função de Alcácer seria com a emissão de moeda comemorativa da conquista, o que poderá ser o caso presente, caso a nossa leitura esteja correcta.
Por outro lado não podemos esquecer que al-Mansur recusou ceder a sua frota militar a Saladino, quando este pediu ajuda para recuperar a Palestina aos cruzados, porque o califa Almóada necessitava dos navios para a conquista de Alcácer, como veio a acontecer.
Independentemente da confirmação deste dado, se Alcácer era considerada uma cidade sagrada pelos almóadas, o que importa sublinhar é o carácter sagrado da moeda almóada, como veículo da palavra de Deus transmitida ao Profeta Maomé e a utilização politica e religiosa feita conscientemente pelo poder Almóada, em concorrência com o Califado Oriental.
Ecos desta função sagrada de Alcácer poderão ter chegado aos Portugueses, porque o relato da conquista de 1217 é descrita numa perspectiva de duelo entre cristãos e muçulmanos e a vitória é dada por Deus, porque é ele que têm a ultima palavra.
Outro dado a reter é o carácter transcendente da vitória cristã de Navas de Tolosa em 1212 e a comparação e os lamentos que os cronistas muçulmanos fazem com a perca de Alcácer em 1217.
Face ao exposto, talvez neste momento possamos compreender que a instalação da Sede da Ordem de Santiago em Alcácer tenha a ver com a bênção que esta terra tinha em contexto Tardo Islâmico e que foi aceite pelos novos senhores.
Bibliografia
CARVALHO, A Rafael; FARIA, J. Carlos e FERREIRA, M. Aires. 2004. Alcácer do Sal Islâmica. (Arqueologia e história de uma Medina do Garb al-Andalus).
VEGA MARTÍN, M. e PEÑA MARTIN, S. 2003. El hallazgo de monedas almohades de Priego de Córdova: aspectos ideológicos. Rev. Antiqvitas, nº 15. páginas 73-78.
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[1] Página 435, moeda anónima, nº 201.

Editorial

A nova dinâmica de investigação actualmente existente nos estudos sobre História e Arqueologia do Concelho de Alcácer e região envolvente, tem vindo a produzir um conjunto elevado de trabalhos que parodoxalmente podem dificultar o acesso rápido aos leitores e investigadores interessados em determinadas matérias ou horizontes cronológicos.
Cientes desta questão, porque tambem somos confrontados com ela quando efectuamos pesquiza na internet, decidimos criar novos espaços temáticos, podendo deste modo contribuir para um acesso mais directo aos assuntos em estudo, que interessam aos diferentes públicos que costumam aceder a este espaço.
Decidimos manter por agora o blog Arqueo-Alcácer, que irá receber estudos ou reflexões sobre História e Arqueologia, desde a Pré-História até ao Final do Periodo Romano.
Para o Periodo Medieval em geral foi elaborado este espaço e para as questões historiográficas e arqueológicas pós-medievais, foi criado o Blog Alcácer do Sal - Moderna e Contemporânea.
Esperamos desde modo contribuir de forma sólida para o conhecimento do nosso passado colectivo e dar um modesto contributo para dar a conhecer esta joia do património nosso país, que ainda tem muito para dar e deslumbrar.
Espero pelos vossos comentários para melhorar este espaço, porque o importante é investigar e dar um contributo para que outros possam continuar o nosso trabalho que dedicamos a todos e acima de tudo aos alcacerenses.
António Rafael Carvalho (Arqueólogo)