quinta-feira, junho 18, 2009

Alcácer do Sal na segunda metade do século XII


http://www.cm-alcacerdosal.pt/PT/Actualidade/Publicacoes/Paginas/EstudosdoGabinetedeArqueologia.aspx

quarta-feira, outubro 15, 2008

Uma Maneira Diferente de Analisar a Campanha de Ya´Qub al-Mansur na Arrábida em 1191.

domingo, outubro 05, 2008

Aspectos do Quotidiano em Alcácer, em Contexto Islâmico

Jovens jogando Xadrez, segundo iluminura do século XIII.
(Cantigas de Santa Maria, Afonso X de Castela).

O Lazer no al-Andalus, em contexto Islâmico




(Versão on-line do artigo publicado no Boletim da ADPA, Neptuno Nº 13, 2008, p. 5-7.)

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1. Introdução

A quase totalidade da investigação referente a Alcácer, tem preveligiado a componente militar, especialmente na sua fase final, culminando na conquista de 1217.
Fica-se com a ideia de que os alcacerenses muçulmanos, nasciam, cresciam e morriam em “stress de guerra”
[2].
Quando começamos num outro patamar de investigação, a ler e analisar a documentação em lingua árabe, deparamo-nos com expressões do tipo:

- Ḍaw´al-ṣabāḥ (luz da manhã); Gāyat al-munà e Muntahà l-munà (objecto dos desejos); Riyāḍ al-ḥusn (jardins das formosas); Sirr al-ḥusn (segredo da formesura); Uns al-qulūb (casa dos corações) e Zahr al-riyāḍ (flor dos jardins).

Esta linguagem não é compatível numa sociedade, que só pensa na “Guerra Santa”.
Na realidade, exitiam relações humanas bastante complexas, desejos, ódios e mais realidade para além do conflito; - quando era possível, os contactos comerciais e as alianças politicas entre os beligerantes, eram retomados. Tambem ocorreram alguns casamentos entre beligerantes
[3].
Por outro lado, estamos perante uma estrutura civilizacional muito rica, que é sensivel à beleza do mundo e das mulheres;- que bebeu muito da sua matriz, nos “rituais de corte” das civilizações orientais, desde o Egipto até à Persia.
Talvez um reflexo desta realidade, prendem-se com o facto de existirem as “Lendas das Mouras Encantadas”, que povoam o imaginário mítico do nosso país a sul do Tejo
[4]. Basta pensar na Lenda da Almina de Alcácer.
Depois de toda esta problemática exposta, será que é possível levantar o véu, “das intimidades”, que terão existido em Alcácer, no final do periodo islâmico ?
[5]



2. “Anatomia” de uma medina: O caso de al-Qasr.

Antes de mais, é importante começar a entender que tipo de cidade terá sido Alcácer em contexto islâmico e termos sempre presente, que as posturas por ela assumidas, foram diferentes ao longo dos séculos.
Em suma, o tipo de quotidiano, as relações humanas e o desenvolvimento cultural vividos em al-Qasr, são reflexos do enquadramento desta medina no âmbito geral do Andalus.
Alcácer assume-se nas fontes desde o século IX, como uma “pequena e bonita cidade”, banhada pelo rio, sendo classificada de base base militar, voltada para a defesa da costa e comercio oceânico.
Em contexto califal é eleita como a unica base naval do “Estado Omieda” no Atlântico
[6].
O que importa realçar neste diagnóstico, é que Alcácer, desde finais do século IX, após a instalação dos Banu Danis, possui nas fontes muçulmanas medievais, o estatuto de cidade (portuária
[7]).
Esta questão de base é importante, porque em termos de hieraquia de “estruturas de povoamento”, Alcácer encontra-se quase no topo
[8], implicando responsabilidades acrescidas que tiveram expressão no seu espaço regional.
Utilizando como bases de análise as actuais unidades administrativas portuguesas a sul do rio Tejo e excluindo o Algarve, só terão existido três cidades em contexto islâmico (Beja, Évora e Alcácer). Elvas só surge mais tarde, mas sempre na sombra de Badajoz.
Alcácer terá rivaliza com o porto de Lisboa no seu espaço regional, abastecendo e servindo de “porta oceânica” às cidades interiores de Beja e Évora
[9].
Torna-se-à em determinadas fases, sede de “Reino Taifa”, demonstrando o poder das suas elites locais e a sua autonomia, em termos económicos e culturais.
No âmbito populacional (tendo como base de análise a “Fase Pós-Califal”), a população alcacerense muçulmana seria constituida essencialmente por Berberes
[10], Al-Mawali[11], Arabes[12] e em menor número por Moçárabes[13]. Desconhecemos a existência de Judeus em al-Qasr, mas não podemos pôr de lado a sua presença na medina [14].
Se é claro que Alcácer, é a unica cidade entre Lisboa e Silves, como porto de comercio de longo curso e eixo comercial, será sempre um polo de atracção de pessoas e de “investimento estatal” ao longo dos séculos.
Esta questão leva-nos naturalmente a outra:
- Apesar de existirem escassas referências documentais em relação a Alcácer, em termos de análise históriográfica, é possível desenhar um quadro de comportamentos e diagnósticos de actuação, tendo como base os exemplos que conhecemos para as outras cidades do Andalus
[15].


3. O Matrimónio

No Andalus, nasciam-se raramente fora do casamento.
O que vai ser preveligiado neste estudo, serão os nascimentos ocorridos em contexto matrimonial
[16].
Por outro lado, vamos preveligiar nesta analise, um olhar mais atento em relação à componente feminina do casal.
Como era encarada a mulher alcacerense, em contexto islâmico?
- Seguia-se a norma geral andalusa, de ela ser considerada “sagrada” e “intocável”.
Mas por questões de ordem histórica, ela sentia o pavor de um dia, poder ficar refêm de forças cristãs.
A sociedade muçulmana tentava por todos os meio evitar esse estado de coisas.
Pagavam-se resgates e muitos conflitos foram travados, para resgatar mulheres cativas.
O livro Ajbar Maymu´a, conta que o dirigente andalus Al-Rabadi encabeçou pessoalmente um incursão em território cristão, para salvar uma mulher
[17].
Segundo Ibn Sahil, são necesárias três condições para o matrimónio: - O tutor
[18], o dote[19] e duas testemunhas.
Para evitar conflitos desnecessários em relação ao dote, um dos costume vigentes, era a familia da jovem ficar encarregue de preparar o “enchoval da noiva”
[20].
A preparação da noiva para a boda recebia o nome de Sura
[21]. O seu noivo tinha que lhe oferecer vários presentes, consuante o seu nível económico.
No contrato matrimonial figurava o nahla. Corresponde a uma oferta da familia para os noivos, que poderia ser em dinheiro ou incluir uma casa.
Para a cerimónia ter efeitos legais; - as jovens tinha que ter a idade mínima, era necessário a presença do tutor e a aprovação de ambos os noivos.
Para o homem poder tornar-se noivo, tinha que provar que tinha capacidade económica para manter a esposa e dar-lhe uma vida estável.
Depois de ter sido aceite o acordo matrimonial, a data da boda era escolhida por ambas as familias.
Era dado uma semana de intervalo até à data da cerimónia. Entretanto a noiva ia-se embelezando e recebia as amigas.
No dia da boda, a noiva saia, seguida geralmente por burros carregados com o seu enxoval ao encontro do noivo.
Os festejos eram acompanhados por musica e nessa celebração, os homens e mulheres podiam conviver mutuamente.




4. O Papel da Mulher dentro da Esfera Familiar.

Podemos considerar a mulher como o nucleo principal na estrutura social Andalusa
[22], apesar de ela viver numa sociedade profundamente patriarcal. [23]
O seu papel como formadora, educadora e transmissora de cultura e dos valores é inquestionável. É ela que se encarrega de ensinar em casa os rudimentos da leitura e da escrita às crianças, especialmente às raparigas.
Segundo a sociedade islâmica, a obrigação mais importante da mulher, sobrepondo-se ao conjugal, é cuidar dos seus filhos, porque a maternidade possui um valor religioso.
Mesmo repudiada pelo marido ou viuva, a mãe conserva a custódia dos seus filhos, até à puberdade no caso de um filho ou até ao casamento de um filho, no caso de ser uma filha.
Al-Maqqari dá a conhecer uma reflexão em árabe, cujo sentido aproximado é este: “ - A mulher é a fonte dos filhos, é ela a flor do paraíso e a paz de um coração cansado de pensar”.
[24]
Ao casar-se a mulher fica com três obrigações : para com o marido, os seus filhos e com a casa.
Mas ela recusava um papel meramente passivo.
Sempre que podia, assumia um conjunto de trabalhos que resultavam em algum benefício económico, nomeadamente (com base em Ibn Hazm, século X e outros autores):
- Existiam mulheres curandeiras, parteiras, médicas, amas de leite, aplicadoras de ventosas, vendedoras ambulantes, cantoras, mestras de canto, fiadoras, tecelãs, escritoras
[25], as que escreviam cartas de encomenda, etc.
No caso das fiadoras, os intermediários homens para a venda, eram obrigados a cumprir um conjunto de deveres morais, como a piedade e a virtude.
Uma das profissões especializadas da mulher relacionava-se com o perto. A qabila ou parteira, não se limitava a assistir ao parto. Os seus serviços eram solicitados em casos de litigios de partilhas, quando tinha que testemulhar se seterminada mulher estaria grávida ou se um bebé teria morrido ao nascer.
As amas de Leite eram contratadas quando uma jovem mãe estava doente ou não tinha leite. Tratava-se de uma das profissões femininas mais conceituadas em contexto andalus. Para alem de amamentar o bebé, tinha que o manter limpo e lavar as suas roupas. Este trabalho tinha implicações legais para o resto da vida. Por exemplo, o matrimonio entre um homem e uma mulher de familias diferentes, mas amamentados pela mesma ama de leite, estão legalmente proibidos de casar entre si. Essa proibição era extendida entre o rapaz amamentado e a sua ama, incluindo os parentes directos de esta. Porque ao ser amamentado, o bebé ficava com laços de parentesco de leite com a sua ama.
Apesar de existir uma imagem feita, de que o homem muçulmano podia casar legalmente com várias mulheres, na realidade isso fazia parte de uma minoria da população.
A maior parte das familias muçulmanas viviam com dificuldades económicas, por isso o tipo de casamento comum, seria a monogamia e a ausência de escravos.
Um bom exemplo desta situação, é analisarmos a gestão do espaço habitado em Alcácer, identificado para o contexto islâmico na área do “Forum Romano”, onde o que salta à vista, é a grande compartimentação do espaço edificado.
E a mulher muçulmana, seria bonita ou pouco atraente segundo os padrões da época?
Segundo as fontes, as andalusas destacavam-se pela sua belesa. Segundo Ibn Al-Jatib (Contexto Nazari):” As mulheres de Granada são belas, não muito altas. Têm boas qualidades e virtudes...”
Em jeito de conclusão e tomando como base o estudo de Mesned Alesa:
[26]
- Em termos gerais, as mulheres no Al-Andalus tinham maior esfera de acção que as mulheres do resto do mundo islâmico. Como afirmou Henri Teres, a mulher andalusa não era prisioneira das leis e costumes islâmicos como as demais mulheres musulmanas.Muitas lutarem, outras foram duramente criticadas, mas actuaram sempre segundo a sua consciência.

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[1] Para simplificar o texto, optamos por não utilizar qualquer critário na transliteração dos nomes e palavras árabes. (tirando casos pontuais)
[2] Infelismente isso era uma realidade, tanto de muçulmanos como de cristãos
[3] Caso da mulher islâmica em território cristão e mulher cristã em território islâmico. Ao homem, não lhe era permitido tão facilmente em território exógeno, arranjar noiva. Se ele fosse cristão em território regido pela Lei Islâmica, só poderia casar com uma mulher islâmica, convertendo-se em muçulmano. Caso contrário, tentava raptar a escolhida, mas pouco depois já sabia que teria um exército muçulmanos atrás dele!
[4] Em termos de discurso históriográfico oficial, o que insentivou a conquista a sul do tejo foi a recuperação do território cristão que foi usurpado pelos muçulmanos. As lendas da Mouras, numa análise mais psicológica, dão nos pistas interessantes, sugerindo que os cavaleiros cristão não ficaram indiferentes às beldades muçulmanas que iam encontrado, conquista atrás de conquista. Os dramas e as privações relatados nalgumas lendas, são reflexos rígidos dos códigos sociais da época, porque a mulher muçulmana é considerada um “território sagrado” e como tal só pode casar com um muçulmano. Mesmo refêm dos cristão esta norma prevalece. Se a mulher for desonrada, só lhe resta o suicidio ou então converter-se em cristã.
[5] Fica o desafio. Neste trabalho iremos aflorar a questão do nascimento. Noutros falaremos de outras questões, tentando “fugir” da resenha histórica e começar a entrar no “quotidiano” de quem à séculos viveu nesta terra.
[6] A seguir a Sevilha. Na prática terá competências superiores em relação a Silves, enquanto Lisboa comporta-se como porto oceânico, destituido de “competências militares”, visto estas estarem sediadas em Alcácer.
[7] Alguns autores chegam ao pormenor de referir a existência de marés (muito importante para a navegação) e da existência de uma construção naval que alimentava um activo comercio fluvial e oceânico.
[8] No topo temos as Medinas (cidades), depois os Hisn-Medinas (Castelos que teriam uma função de quase cidade); logo depois seguem os hisn (castelos), as alcarias (aldeias) e por fim as torres e os casais agrículas.
[9] Na realidade comporta-se como o “porto” dessas duas medinas.
[10] A componente berber sempre foi muito importante em Alcácer (pelo menos em termos de elites). Desde os Banu Danis (Masmudas) e até à anexação deste território no califado Almoada (também ele de matriz Masmuda), Alcácer comporta-se culturalmente como um espaço de essencia berbere “Masmuda”, que vai ter outras implicações (em termos politicos e sociais), que serão abordados noutros trabalhos.
[11] No plural Al-Mawla. Segundo Ibn al-Qutiya “ É o seguidor ou o aliado que pede pertencer a uma determinada tribo, a qual satisfará o seu pedido”. (na sua maioria seriam muçulmanos e não árabes)
[12] Teriam pouca expressão em Alcácer.
[13] População autóctene, que lentamente se torna muçulmana. Os arabes chamavam-lhe de al-musalima. Os que se mantinham cristãos, recebiam o nome de al-a´yam.Terão sido a maioria da população, numa fase inicial.
[14] As comunidades judaicas identificadas no Andalus, coincidem com importantes cidades portuárias, sedes de Reinos de Taifa e polos económicos e culturais, como por exemplo; - Cordova, Toledo, Sevilha, Granada, Zaragosa e Málaga.
[15] É nesta perpectiva que devem ser encarados estes contributos.
[16] Em Alcácer, segundo os dados fornecidos pela arqueológia, (pelo menos dentro de muralhas) os escravos terão sido pouco numerosos. A unica excepção diz respeito ao espaço ocupado pela alcáçova/espaço palatino da medina.
[17] Anónimo, Ajbar maymu´a, Crónica anónima del siglo XI, Trad. Emilio Lafuente y Alcántara, Madrid, 1867, p. 129; Ibn Idari, Ahmad Ibn Muhammad, Al-fayan al-mugrib fi ajbar al-andalus wa-l-magrib, Vol. 2, Dar al-taqafa, Beirut, 1960, p. 72.
[18] Para pedir a mão da noiva, depois de esta ter sido escolhida. No caso dos filhos, eram as suas mães que escolhiam a candidata. (Ibn Sahil, ´Isa, Al-ahkam al-Kubra, Ed. 2, Amman, 1987, p. 79.)
[19] Este era um dos assuntos a discutir antes do casamento. Não era estabelecido um limite, contudo o minimo estava fixado entre um quarto de dinar e três dirhams. O noivo tinha que pagá-lo antes do casamento, pelo menos uma parte.(Ibn Sahil, ´Isa, Al-ahkam al-Kubra, Ed. 2, Amman, 1987, p. 74.)
[20] Este por vezes constituia um problema para o pai da noiva, sendo comum ficar endividado.
[21] Quer dizer beleza.
[22] Mesned Alesa, M. S. (2007). El Estatus de la Mujer en la Sociedad Árabo-Islamica Medieval entre Oriente y Occidente. Tese Doctoral (policopiado), p. 213.
[23] Ibn ´Abbud, Ahmad, Al-Tarij Al-Siyasi wa-llytima´I li Isbiliya fi ´ahd al-tawa´if, Matabi. Al-sawayj, Tetuan, 1983, p. 192.
[24] Al-Maqqari, Sahab Al-Din Ahmad, Nafh Al-tib, Vol. 6, Dar Sadir, Beirut, 1968, p. 439.
[25] As escritoras (Katibat) eram mulheres que possuiam conhecimentos caligráficos e de minucidade para copiar exemplares do Corão.
[26] Obra citada (2007), p. 226-233.

O Papel do Hisn Turrus/Torrão, no Sistema Defensivo Tardo Islâmico de Alcácer



1. Introdução

Desde meados do século XIX, que alguns autores, como Dozy, têm concluído sem muita convicção que o castelo chamado Turrus, referido por Ibn Idari[1], no seu relato dedicado ao desastre das tropas almóadas em Santarém, corresponderia aos actuais castelos de Torres Vedras, Torres Novas ou ao castelo de Coruche, como é exposto como hipótese num trabalho recentemente publicado[2].

Pela nossa parte, com base nos estudos que temos levado a efeito no Baixo Sado Islâmico e numa reanálise do al-Bayan al-Mugrib Fi Ijtisar Ajbar Muluk al-Andalus Wa al-Magrib, avançamos a hipótese de localização desse castelo/hisn Turrus na actual Vila do Torrão.

2. O Torrão em contexto islâmico.

Apesar do grande avanço em termos de investigação histórica e da arqueologia islâmica nos últimos anos na região de Alcácer do Sal, ainda é escasso o conhecimento que temos da ocupação muçulmana no território que actualmente compõe o nosso concelho.

Em relação à presença islâmica na Vila do Torrão, desconhecemos praticamente tudo.Até há pouco tempo, as únicas referências conhecidas da existência de um castelo e de um alcaide, aparecem em alguma documentação medieval cristã de meados do século XV, num período em que o Torrão é sede de concelho.


Por outro lado, parece não existir nenhum estudo referente ao passado islâmico desta região com personalidade própria, porque os trabalhos publicados têm sido direccionados para os contextos romanos e para a fase medieval cristã.A análise que temos feito da evolução politica, administrativa e militar de Alcácer em contexto islâmico, têm permitido verificar que o Torrão possui um papel estratégico de primeiro nível, e que domina um espaço estratégico entre Alcácer e Évora.Ainda à muito a investigar, e a falta de documentação arqueológica e a quase ausência de referências nas crónicas muçulmanas e cristãs têm dificultado muito o estudo do Torrão neste amplo período, que vai desde a antiguidade tardia até à autonomia concelhia obtida em 1249.

Este nosso contributo, o primeiro que pretende reflectir um pouco sobre o Torrão e o seu território em contexto islâmico, será direccionado para os finais do século XII e inícios do XIII e irá ter como base, um relato de um autor muçulmano que escreveu uma crónica valiosa sobre o Califado Almóada, relatando com pormenores desiguais uma série de factos acontecidos nessa época.Dividimos o trabalho em duas partes:


- Na primeira será feita a análise do texto muçulmano com base nos novos dados historiográficos.- Por fim, partido da certeza com base na análise exposta que o topónimo hisn turrus citado no troço de texto em análise, corresponde à actual Vila do Torrão, iremos analisar o referido castelo à luz dos eventos dos finais do século XII e inícios do século XIII, valorizando esta praça-forte na zona de fronteira entre o Reino de Portugal e o Califado Almóada.



O mapa apresenta a fronteira entre o Reino de Portugal e o Império Almóada em 1184 após o desastre islâmico de Santarém. A linha em direcção ao Torrão mostra o trajecto provável do exército almóada de regresso a Sevilha, com o emir almóada gravemente ferido de morte.


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3. A Fonte muçulmana.

Turrus é um topónimo frequente no al-Andalus, com vários exemplos no sul de Espanha.


No âmbito do relato de Ibn Idari, verificamos que o autor por vezes ao querer simplificar toda a trama politica e psicológica dos eventos, não vai ao pormenor de diferenciar os vários Turrus do território Português.

Só uma leitura mais atenta dos intenerários tomados e do contexto geográfico relatado, permite identificar o castelo Turrus em causa, ou seja; - nuns casos ele refere-se ao Castelo de Torres Novas e noutros refere-se ao castelo de Torres Vedras.


Noutros casos, alguns autores sugerem sem muita convicção que o cronista muçulmano esteja a falar do Castelo de Coruche ou então o Castelo de Montemor-o-novo, que na nossa perspectiva não têm fundamento, tanto a nível linguístico como da própria conjuntura militar descrita.

A referência ao Turrus que nos interessa, vem descrito no capítulo que Ibn Idari dedica ao desastre de Santarém, acontecimento ocorrido em 1184 e cujo resultado foi muito traumatizante para o califado almóada, porque é na sequência dessa derrota militar que o emir al-Mu´minim, pai do Ya´qub al-Mansur é ferido de morte, vindo a morrer no decurso da viagem de regresso, depois de atravessar o rio Guadiana, algures entre Moura e Serpa.


O próprio Huici Miranda no estudo crítico que faz às várias fontes muçulmanas e cristãs, chega à seguinte conclusão:“

- Este Turrus o Torres que el «Bayan» coloca claramente en el Alentejo, no puede ser ni el Torres-Vedras, que quiere Dozy, ni el Torres Novas, cerca de Tomar, que fue asaltado seis años más tarde por Ya´qub al-Mansur. No he podido localizarlo en esa región…”[4]


Por ser um texto longo, iremos só comentar alguns trechos com interesse para o nosso trabalho, transcrevendo-os numa tradução livre que efectuamos da tradução do árabe para o espanhol, de Huici Miranda. (PUBLICAÇÃO DA NOTICIA DA MORTE DO EMIR AL-MU´MINIM, ABU YA´QUB, FILHO DE ´ABD AL-MU´MIN, NESTA CAMPANHA, páginas 71 a 73).

“ Disse Abu-l-Hayyay Yusuf b. ´Umar: que quando empreendeu o Amir al-Mu´minin esta campanha, em que morreu, contra o inimigo do Algarve, Ibn al-Rink[4], ….., por causa da má vizinhança e graves danos aos muçulmanos, decidiu dirigir-se a Santarém, a cidade com as maiores muralhas de Ibn al-Rink, a mais bonita e com mais soldados, assim como a mais forte em aprovisionamentos. Avançou contra eles num avanço que espantou os infiéis e lhes desfez o coração.”Apesar de justificar perante os seus leitores as fortes razões que motivaram a necessidade desta expedição, por causa da “ má vizinhança e graves danos aos muçulmanos infringidos pela má vizinhança de Ibn al-Rink “, Ibn Idari procura a todo o custo realçar o impacto desta expedição e tentar minorar o desastre que representou para o poder Almóada esta operação militar, que deveria ser de castigo contra os portugueses.


Como represália ao desastre sofrido junto das muralhas de Santarém, as tropas almóadas em retirada praticaram uma politica de terra queimada.Refere o texto que depois de ter sido ferido gravemente por um grupo de portugueses:

“O emir al-Mu´minim atravessou o rio Tejo e acampou na outra margem e foi aí que ele se apercebeu da gravidade dos seus ferimentos.


Mandou dissolver a concentração (acampamento) e deu ordem de marcha e avançou pelo meio da região (em direcção ao território muçulmano a caminho de Sevilha pelo meio do território português) e causou uma grande desolação; mandou destruir o que encontrou de edifícios, alterar as águas e arrancar as arvores, arrasar os terrenos semeados e queimar tudo o que podia destruir e fazer desaparecer pelo fogo.

Continuou a marcha desta forma até ao castelo de Turrus e acampou junto a ele, mandou conquista-lo, enquanto repartia parte do seu exercito em colunas para pilharem a região envolvente”.


Esta postura do exército almóada é muito importante, porque ajuda-nos a perceber a noção que o poder almóada tinha na prática da sua doutrina de guerra.

Como o autor refere, as tropas muçulmanas em retirada pelo território sob domínio português e como tal pertencente ao Dar al-Harb[5], praticaram uma politica de terra queimada, onde o propósito é a destruição sistemática de recursos e de bens, num acto de vingança pelo desastre sofrido em Santarém.Tal destruição só é possível em território cristão, mas é proibida e evitada em território considerado islâmico, o chamado Dar al-Islam.


Se o autor muçulmano relata que as destruições foram efectuadas em território cristão e cessam após a conquista do Castelo de Turrus, é porque este castelo sobe o domínio português fazia a fronteira com o império almóada.

Em 1184, o reino de Portugal dominava as cidades de Alcácer e Évora, por isso a fronteira passava um pouco a sul da actual vila do Torrão.Face ao exposto, por questões de ordem toponímica e geográfica, o castelo Turrus referido por Ibn Idari, neste relato só pode ser o actual Torrão.


“As expedições de pilhagem foram confiadas pelo emir almóada, a Sayyid Abu Zayd,, filho do seu irmão Abu Hafs. Este conseguiu ao fim de alguns dias, arranjar com dificuldade alguns bens.

Entretanto o emir almóada tinha ficado no castelo Turrus a descansar.Chegaram junto do califa, mas este estava obrigado a estar deitado e havia dias que não saia e não recebia ninguém.

Pouco depois ordenou porem-se em marcha. Continuou o caminho e a debilidade ia aumentando para desespero dos médicos presentes; -Ibn Zuhr, Ibn Muqil e Ibn Qasim.Pouco depois de ter passado o rio Guadiana (provavelmente pouco depois de Serpa, porque Ibn Idari não especifica o local), o emir morre.


O seu falecimento será mantido em segredo até chegarem a Sevilha. (Será nessa cidade que o seu filho Ya´qub al-Mansur será proclamado como novo soberano do império).

”Segundo o relato que temos estado a comentar, é a partir deste castelo Turrus que as pilhagens e destruições acabam, o que permite afirmar que o castelo do Torrão foi depois de ter sido conquistado aos portugueses, mantido como estrutura militar muçulmana, como guarda avançada do império almóada, sendo inserido no Dar al-Islam.


4. O papel do hisn Turrus/Castelo do Torrão entre 1184 e 1191, na estratégia militar almóada contra Alcácer e Évora.

Por estar muito exposto em termos de fronteira em relação às guarnições cristãs de Alcácer e Évora, o mais provável é que tenham sido instalados no castelo uma guarnição de soldados voluntários da jihad, que ficavam na fortificação a fazerem ribat e efectuarem a vigilância da fronteira.Dominando o castelo do Torrão, o exército almóada podia vigiar de perto as cidades de Alcácer e Évora e interferir com a vida normal dessas cidades, tornando as estradas inseguras, pilhando os campos lavrados e roubando gado aos alcacerenses.


É provável que o castelo tenha sofrido ataques de represália oriundos das guarnições portuguesas instaladas em Alcácer ou Évora, mas as fontes são omissas e não esclarecem o que aconteceu à guarnição muçulmana de morabitinos aí instalados, durante o período de 7 anos que decorre de 1184 a 1191.

Trata-se de uma questão ainda em aberto.Pensamos que a campanha que Ya´qub al-Mansur empreende em 1191, que resulta na conquista Alcácer e na destruição e ocupação por voluntários da jihad dos castelos da Arrábida, terá sido possível graças às informações fornecidas regularmente pelos soldados muçulmanos instalados no Torrão, que empreendiam incursões de espionagem militar para controlarem o movimento e estado das defesas de Alcácer e Évora.


Se houve reocupação portuguesa do Torrão antes de 1191 não sabemos, contudo após a conquista de Alcácer pelos almóadas, o castelo do Torrão torna-se na fortaleza avançada dos almóadas para controlarem os movimentos militares cristãos com origem em Évora.

Pensamos que será este papel de praça militar do Torrão, tanto em contexto islâmico como cristão que será importante para lhe dar prestígio e ser motor de desenvolvimento num território pleno de recursos entre duas cidades importantes (Alcácer e Évora) e que depressa se tornará em sede de concelho no século XIII.Toda esta breve análise histórica permite verificar que o Torrão foi uma importante praça militar nos séculos XII/XIII e que ainda falta muito para investigar sobre a sua história.

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[1] Relatado na obra al-Bayan al-Mugrib Fi Ijtisar Ajbar Muluk al-Andalus Wa al-Magrib, tradução de A Huici Miranda, Volume II, 1953, p. 78, texto e nota 3.
[2] Fernandes, H. 2005. Quando o Além-Tejo era “fronteira”: Coruche da militarização à territorialização. Actas do IV Encontro sobre Ordens Militares. Palmela, p. 459.
[3] Huici Miranda, 1956. Historia Politica del Império Almohade. Primeira Parte, página 306, nota 3.
[4] Nome dado pelos cronistas muçulmanos ao rei D. Afonso Henriques.
[5] Segundo a doutrina medieval islâmica, o mundo encontra-se dividido em duas partes: - O Dar al-Harb /Terra da Guerra e o Dar al-Islam/Terra do Islão.No Dar al-Harb, a ausência de lei islâmica presume que só exista anarquia e imoralidade, daí que o dever dos muçulmanos é reduzir o território do Dar al-Harb, transformando-o em Dar al-Islam (onde a lei islâmica é aplicada) usando para isso a prática de jihad ou então raramente usando meios pacíficos se possível.


O Santuário do Senhor dos Mártires/Alcácer do Sal, em Contexto Islâmico

Versão digital do texto publicado no Boletim da ADPA nº 7, em 2006.

(Actualização 2008)

Cantigas de Santa Maria, de Afonso X de Castela, século XIII.
Iluminura inserida no "Codice de Florença", referente ao "Milagre"ocorrido no Santuário de Nª Sª dos Mártires de Alcácer do Sal.
Iluminura dada a conhecer pela Dr.ª Maria Teresa Lopes, em 2006.


1. Problemática
A investigação que temos vindo a efectuar sobre a presença almóada em Alcácer do Sal, têm permitido identificar um conjunto de aspectos que nos tem autorizado a olhar com outros olhos o final da presença islâmica na nossa cidade.
Foi num trabalho colectivo que apresentamos no Simpósio Internacional sobre Castelos, ocorrido no ano 2000 em Palmela[2], que avançamos pela primeira vez com a hipótese de ter existido uma madraza em Alcácer do Sal.
Nessa altura tratava-se de uma hipótese inovadora, que permitia demonstrar que Qasr al-Fath também teria sido um pólo cultural no Baixo Sado, para além de ter sido a sede de um taghr/fronteira do Império Almoada.
Esta hipótese contrariava uma ideia preconcebida por vários colegas, que atribuía a Alcácer durante esta fase um papel unicamente de base militar habitada por soldados, alguns mercenários e uma população civil de gostos básicos, pouco inclinados a práticas culturais, mas unicamente preocupados em fazerem a guerra contra o território português unicamente para obter saque.
Apesar dos últimos estudos que têm sido produzidos, esta ideia muito básica e redutora sobre uma Alcácer povoada de pessoas pouco inclinadas à cultura ainda se mantêm e porquê?Uma das razões parece ser a ausência nos dicionários compostos na idade média por autores muçulmanos que não referem sábios provenientes da nossa cidade.
Pensamos que uma análise mais critica destas fontes poderão revelar alguns nomes.
Por outro lado existe uma outra questão que tem sido pouco reflectida e que se prende com o impacto da conquista cristã em Alcácer de que todos somos actualmente herdeiros.
Sobre esta problemática, poderemos a título de exemplo citar dois reputados arqueólogos actuais, os Dr.s. Júlio Navarro Palazon e Pedro Jiménez Castillo que analisaram esta problemática em relação à cidade de Múrcia[3]:
“A la dificultad de reconstruir el passado andalusí de Mursia, (ou de outra cidade islâmica como é o caso de Alcácer do Sal) debido a la perdida de información ocasionada por el paso del tiempo, hay que sumar otra de índole muy diferente: nos referimos al fenómeno ideológico de damnatio memoriae, generado por la sociedad conquistadora, y que consistió en eliminar, e incluso borrar, el recuerdo de una Múrcia plenamente islámica de religión, árabe de lengua y culturalmente oriental, ….….Si no se hubiera conservado fuera de Murcia, sobre todo en bibliotecas norteafricanas, un buen número de manuscritos que testimonian la altura a la que se llegó en el campo de la teosofía, de la teología e, incluso, de la mística, la arqueología difícilmente habría podido documentar que en estas tierras se alcanzó y experimentó un conocimiento de Dios que todavía vivifica a amplias corrientes de la espiritualidad musulmana. Tampoco hubiéramos podido deducir de los restos materiales la existencia de esos sufíes cuyo exponente máximo fue Ibn Arabi”.
Esperamos que com os projectos de investigação actualmente em curso, possamos mostrar a verdadeira projecção desta medina na sua época, que pouco depois da conquista definitiva em 1217, foi escolhida para ser a Sede do Ramo Português da Ordem de Santiago.
É nesta nova perspectiva de análise que voltamos a debruçar sobre a problemática, se efectivamente existiu uma madraza em Alcácer do Sal, onde ficaria localizada?:
- Que permite olhar numa nova perspectiva as origens do Santuário do Senhor dos Mártires.
2. O Santuário do Senhor dos Mártires
2.1. Panorama actual
Conjunto monumental impar do património alcacerense, o Santuário do Senhor dos Mártires localiza-se fora das muralhas do castelo de Alcácer do Sal, a meia encosta, e dominando de uma certa altura um troço importante do curso do rio Sado.
Ao lado passa o caminho de terra batida que ia para Setúbal ao longo do estuário e na linha do horizonte é visível a Serra da Arrábida e o Castelo de Palmela.
O santuário visto do terraço da Capela dos Mestres.
Em segundo plano o rio Sado com as suas margens e as florestas ao longe.Por outro lado, o santuário ocupa um lugar de grande importância estratégica.
É visível do castelo de Alcácer, é possível deste ponto vigiar a curva para norte feita pelo rio Sado em direcção ao estuário e é neste sector que desaparece a escarpa de arenito que se desenvolve desde a colina do castelo, dando lugar a um amplo vale que facilita o acesso ao interior.Desde a sua “fundação” em meados do século XIII, tornou-se num espaço de culto mariano, com o nome de Santa Maria dos Mártires e pouco depois foi escolhido pelos Mestres da Ordem de Santiago para repouso eterno.
Espaço sagrado de enorme prestígio, desde cedo lhe foram atribuídos alguns milagres, contudo torna-se Comenda da Ordem de Santiago e guardiã do espaço rural envolvente da cidade de Alcácer, mantendo activo um culto e aproximação do sagrado que chegou aos nossos dias e que urge manter.
Em boa hora o actual executivo camarário, em conjunto com a Irmandade do Senhor dos Mártires e a Associação de Defesa do Património de Alcácer, procederam a um conjunto de acções que permitiram repor a dignidade do monumento e espaço envolvente, com a criação de uma mais valia museológica.
2.2. Algumas questões em aberto
Se não restam dúvidas sobre a importância deste santuário e sobre o culto cristão desde o século XIII, restam contudo um conjunto de questões mal esclarecidas, que também não foram até ao momento objecto de muita reflexão:
- Estamos a referir sobre o porquê de ter sido escolhido este espaço para erguer o santuário, que surge fora de muralhas numa região em guerra e que utiliza para construção do seu núcleo trecentista um potente edifício em alvenaria, numa zona claramente em défice de pedra boa para construção!Vieira da Silva, no seu estudo sobre a “ Capela dos Mestres em Alcácer do Sal ”[4], refere que o edifício situado a poente da cidade testemunha desde o início o aproveitamento que este espaço teve desde tempos remotos: o de necrópole.
De facto a chamada Capela do tesouro, núcleo construído no século XIII, com os seus arcosólios, denuncia desde o seu início a sua função como espaço funerário. Por outro lado avança a hipótese de ter sido este o primeiro edifício construído em Alcácer pelos espatários após a conquista o Arcosólio existente no interior da denominada “ Capela do Tesouro “.
Deve-se a este autor no referido estudo, a hipótese de o santuário ter o nome de “mártires “, em memória dos que tombaram no decurso da conquista cristã de 1217.
Não pondo em causa muitas das conclusões deste investigador com o qual concordamos, verificamos que o autor ignora o passado islâmico de Alcácer e talvez esse facto o impeça de aprofundar as razões que efectivamente terão levado à “ fundação “ deste espaço sagrado.
Pensamos, com base nos dados actualmente disponíveis, que a razão mais plausível para justificar um altíssimo investimento tendo em conta os condicionalismos da época, é de ter existido neste espaço um edifício ulterior em contexto islâmico, que possuía também características de santuário, sendo objecto de devoção profunda da população muçulmana.
A ter existido uma construção nesse período, esta obedeceu a outros estímulos como iremos expor.Para compreendermos a sua génese vamos ter que recuar alguns séculos.
2.3. O edifício islâmico.
Origem e funçõesComo já foi demonstrado pela arqueologia, o terreno onde se situa o Santuário foi destinado a necrópole desde a Idade do Ferro até ao período romano. Desconhecemos até ao momento enterramentos islâmicos no local.Depois da instalação cristã em Alcácer, o espaço foi de novo elevado à condição de necrópole reservado à ordem de Santiago e à nobreza alcacerense.Contudo que função teve durante os 5 séculos de permanência islâmica em al-Qasr?
Ainda pouco ou nada sabemos sobre a cidade romana de Salacia no Baixo Império, contudo documentação arqueológica até ao momento conhecida, apesar de se referir a achados soltos, demonstram claramente uma continuidade de povoamento na actual colina do castelo até à conquista muçulmana.
Os novos senhores, respeitaram os costumes e culto cristão mediante o pagamento de um imposto e talvez esse facto permita a manutenção da necrópole romana do Senhor dos Mártires, transformando-o lentamente num terreno abençoado, de cariz sagrado e livre de ocupação humana.
Numa primeira fase, é provável que os enterramentos islâmicos fossem dentro do recinto amuralhado, contudo a cidade islâmica foi crescendo e face à falta de espaço após o século X, a necrópole passou para a encosta voltada a poente.
Os enterramentos cristãos provavelmente continuaram na área do Senhor dos Mártires, mas ao longo dos séculos, tendo em conta a absorção da população crente cristã no seio da maioria islâmica, começasse a fazer pouco sentido essa pratica.Se os enterramentos cessaram, é provável que o carácter sagrado do espaço fosse perpetuado de geração em geração.
A própria estrutura defensiva alcacerense vai sofrendo alterações ao longo do tempo em fase dos desafios que iam chegando.Se em meados do século IX após os primeiros ataques vikings, a fortaleza de al-Qasr transformada em ribat era suficiente para a defesa da população, alguns séculos depois em meados dos séculos XII e XIII era necessário efectuar uma reforça total dos sistemas defensivos.
Nesses séculos, que também correspondem à anexação de Alcácer aos impérios Magrebinos, dos Almorávidas e dos Almóadas, a presença cristã e Portuguesa era mais forte e aproxima-se dos arredores da Medina Alcacerense.
O sistema defensivo a longa distância mantêm, mas é necessário criar um outro mais próximo da cidade.Os séculos XII e XIII também são séculos férteis em experiências místicas islâmicas, onde a especulação sobre a natureza de Deus, o desígnio do homem e o destino são objecto de estudo e meditação.
Alguns tratados islâmicos são traduzidos em latim e estudados no mundo cristão.A toponímia que sobreviveu até hoje, mostra para a região de Alcácer a existência de lugares onde viveram esses místicos, que procuravam tornar-se “ mártires no caminho de Deus “.Poderemos referir a titulo de exemplo o “ Cerro das Arrábidas “, Freguesia de São Pedro da Marateca, Concelho de Palmela na fronteira com o Concelho de Alcácer e que até ao século XX era um local de festa profana e peregrinação ritual durante a Páscoa.
Face ao exposto, é provável que nessa época tenha sido construído uma rábita (Convento islâmico) no Senhor dos Mártires, que teria uma função de “ jhiad activa “ na defesa do território em caso de ataque, mas que durante o resto do ano estaria dedicado à jhiad mais importante que é a “ passiva”.
Esta “ jhiad passiva ou esforço individual” é praticado na procura de Deus e dos seus propósitos.Nesse sentido, a comunidade religiosa que aí vivia, e com base em documentação referente a outros lugares similares no al-Andalus, cuidava da sua horta, meditava, prestava atenção aos desfavorecidos, dava apoio aos viajantes e dedicava-se ao ensino num espaço mais profano, numa estrutura anexa que poderia ter o nome de “ madraza”.
Dessa presença muçulmana poucos vestígios chegaram até hoje, mas importa valorizar o significado profilático de um alto-relevo islâmico actualmente visível na parede exterior da torre da Igreja do Senhor dos Mártires.
Trata-se de um pentagrama que apresenta um programa decorativo inserido na linguagem simbólica de origem berbere e que podemos encontrar bem representado por exemplo na bandeira que o califa almóada al-Nasir perdeu na batalha de Navas de Tolosa em 1212, quando foi derrotado pelo Rei Castelhano Alfonso VIII.
Na bandeira almóada este símbolo representa o poder e encontra-se dentro de um círculo. Este por sua vez encontra-se ladeado por alguns leões.
A terminar, de referir que no decurso da intervenção arqueológica efectuada no santuário sob a direcção do arqueólogo Cavaleiro Paixão, em conjunto com a Dr.ª esmeralda Gomes e Frederico Tatá, informação que agradecemos, foi encontrado um fragmento de talha estampilhada almóada que reforça a presença tardo islâmica neste espaço.
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Actualização de 2008:
Este local terá servido de Musalla em contexto Tardo-Islâmico, especialmente em contexto Almoada. Tambem serviria de recinto para treino militar e pedir chuva em anos de seca.
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[1] Paixão, Faria e Carvalho, 2000. A Presença Almoada em Alcácer do Sal
[2] Navarro Palazón, Júlio e Jiménez Castillo, Pedro – Religiosidad y creencias en la Múrcia musulmana. Testimonios arqueológicos de una cultura oriental. Huellas. Catedral de Murcia. Catalogo da exposición. Citação retirada das páginas 58 – 59.
[3] José C. Vieira da Silva, 1995. A Capela dos Mestres em Alcácer do Sal, páginas 234-238.

O Escorial das Paulinas/Palmela






Este trabalho foi inicialmente publicado on-line, no Arqueo-Alcácer, Blogpost, em 2006. Mantivemos o texto e as imagens originais.





Introdução
O presente estudo foi elaborado no ano de 2004, na altura em que era o arqueólogo do Serviço de Arqueologia de Palmela.
Por questões de vária ordem não me foi possível publicar nesse ano.
Pelo interesse que tem para o estudo de uma das fases "obscuras" da presença humana no Baixo Sado, achamos oportuno dar a conhecer este estudo.
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Resumo - Arqueossítio identificado por Gustavo Marques em 1985, o local foi objecto de uma primeira notícia que demos a conhecer na década de 90 do século passado. Os novos elementos entretanto recolhidos e uma nova abordagem do local, permitiram renovar a leitura que tínhamos desta ocupação, que terá tido início em contexto romano tardio.Cientes da importância deste local para a compreensão da Antiguidade Tardia e início da Islamização na região, efectuamos o estudo da escassa documentação arqueológica disponível.
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A B S T R A C T - The archaeological place was discovery by Gustavo Marques in 1985, and later in 1992, we white a small note. After that, new element was discovery and we can now make a new study about the place. We think the Paulinas were an important place for de studies about the Late Antiquity and Islam in Palmela region.
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1. Localização
O arqueossítio estende-se ao longo da margem esquerda da ribeira da Marateca, num banco de areia existente a sul da aldeia de Águas de Moura, actual sede da Freguesia de S. Pedro da Marateca.Possui as seguintes coordenadas Gauss: X: 539, Y: 789, carta militar de Portugal n.º 456, Marateca, Palmela, 1971.
A estação estende-se por uma vasta área, entre as cotas 0 e os 10 m.
O terreno é arenoso de cor branco e na área arqueológica encontra-se um pouco enegrecido. Para sul desenvolvem-se algumas colinas constituídas por argilas arenosas de cor amarela de idade geológica atribuída ao Miocénico.
Segundo indicações prestadas no local, nessas colinas foram encontradas cerâmicas. Após uma prospecção aí efectuada, nada foi encontrado, contudo a questão permanece em aberto.
Uma das razões que poderá ter contribuído para a inexistência de construções recentes sobre o local, é de existir uma tradição local, que atribui aos escoriais situados ao longo das margens da Marateca, propriedades que permitem atrair os raios das tempestades.
Os escoriais também foram referidos num documento do século XV, como “terrenos queimados “.
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2. Identificação
O arqueossítio foi descoberto por Gustavo Marques, no âmbito de um trabalho de prospecção arqueológica efectuada na Freguesia de S. Pedro da Marateca, efectuada nos meses de Novembro e Dezembro de 1985 e cujos resultados deu a conhecer num relatório que entregou à câmara municipal de Palmela, em 1986.
Designado como arqueossítio n.º 8, Gustavo Marques refere laconicamente no referido relatório (página 11) “ 8. Escorial das Paulinas.
Recolhemos neste local alguns materiais que parecem definir a presença romana”.
Em 1989 voltamos ao local no âmbito da actualização da carta arqueológica do concelho de Palmela e foi nesse ano que descobrimos uma peça em calcário conquífero, que num estudo posterior interpretamos como base de coluna (Fernandes e Carvalho, 1993, p. 113), posição que (eu não defendo actualmente) e que será discutida mais à frente.
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3. A documentação arqueológica
3.1. As cerâmicas.
As cerâmicas apresentadas neste estudo, que foram recolhidas pelo autor em 1997, encontram-se depositadas nos reservados do Museu municipal de Palmela.
Os exemplares apresentados, manifestamente em número reduzido, espelham uma situação muito concreta em relação ao local.Ou seja, apesar da área imensa do arqueossítio, a documentação arqueológica à superfície resume-se a fragmentos de escória de metal e raras imbrices.
A cerâmica comum é quase inexistente e durante anos não foi possível recolher nenhum fragmento no local.
Esta questão da quase ausência de cerâmicas que verificamos nas Paulinas é infelizmente corrente na quase totalidade dos escoriais da Freguesia da Marateca.
Esta lacuna documental de natureza arqueológica, condicionou em muito o estudo dos referidos escoriais espalhados ao longo da ribeira, porque a ausência de cerâmicas não nos permitia efectuar uma abordagem de forma coerente aos locais.
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● Catálogo
Panela
Fragmento de boca, com colo e arranque de parede lateral.Apresenta bordo de secção arredondada. O lábio interno apresenta-se polido e mostra vestígios de lume. A superfície externa, de cor acastanhado escuro, apresenta-se brunida. A superfície interna, de cor avermelhada de tom acastanhado, apresenta-se alisada e ponteada por grãos leitosos de quartzo e provavelmente de quartzito? de tamanho médio. A pasta apresenta uma escassa presença de mica de grão fino. A sua cor é avermelhada acastanhada, escurecida por acção do lume. Apresenta uma película negra coincidindo com a superfície externa.
Diâmetro de bordo – 15,4 cm.
N.º de Inventário – E.P.04/5
Cronologia provável – Séculos VI-VIII
Panela
Fragmento de boca, com colo e arranque de parede lateral.Apresenta bordo de secção arredondada, terminando em bico. Junto a este “bico”, no lado externo desenvolve-se uma linha incisa pouco prenunciada. O lábio e o colo na sua superfície externa, apresentam-se brunidos e mostram vestígios de lume. A superfície externa, de cor acastanhada, apresenta-se brunida. A superfície interna, no mesmo tom de cor, apresenta-se alisada e ponteada por grãos leitosos de quartzo e provavelmente de quartezito? de tamanho médio. A pasta apresenta uma escassa presença de mica de grão fino. A sua cor é avermelhada acastanhada, pouco alterada por acção do lume. O tipo de pasta e tratamento de superfície assemelha-se ao exemplar anterior, tratando-se por certo de duas peças com a mesma proveniência de oleiro.
Diâmetro de bordo – 15,9 cm.
N.º de Inventário – E.P.04/3
Cronologia provável – Séculos VI-VIII
Oenochoae
Fragmento de boca de uma jarra, provavelmente correspondente a um oenochoae, de bordo trilobulado, apresentando arranque de colo.Teria uma asa lateral e corpo piriforme. Apresenta bordo de secção arredondada. Todo o fragmento mostra a acção do lume. A superfície interna, de cor escura por acção do lume, apresenta-se brunida e teria uma cor acastanhada escura, como é visível num dos cantos e na superfície interna. A superfície interna, de cor acastanhada, apresenta-se alisada e ponteada por grãos leitosos de quartzo e provavelmente de quartzito de tamanho médio. A pasta apresenta uma escassa presença de mica de grão fino. A sua cor é avermelhada acastanhada, escurecida por acção do lume. Apresenta uma película negra coincidindo com a superfície externa. Apresenta o mesmo tipo de fabrico e tratamento de superfície das panelas atrás descritas.
Diâmetro provável de bordo – 5,2 cm.Altura provável – 14,4 cm.
N.º de Inventário – E.P.04/4
Cronologia provável – Séculos VI-VIII
Jarra ou panela
Fragmento de fundo com arranque de parede lateral.Apresenta no fundo um conjunto de sulcos da roda de oleiro. A superfície externa, de cor acastanhada escura, apresenta-se alisada. A superfície interna, de cor acastanhada, pouco alisada e ponteada por grãos leitosos de quartzo e quartzito de tamanho médio e grosseiro. A pasta apresenta-se arenosa, e contêm escassa mica de grão fino. A sua cor é do mesmo tom das superfícies e apresenta sinais de escurecimento por acção do lume. O fabrico em torno pouco rápido aproxima-se das produções romanas do Sado, nomeadamente do Zambujalinho, podendo corresponder a uma fase tardia da sua produção.
Diâmetro do fundo – 9,8 cm.N.º de Inventário – E.P.04/6
Cronologia provável – Séculos VI e VII
Forma Hayse 99
Fragmento de bordo.Apresenta ambas as superfícies com engobe laranja-avermelhado, baço. A pasta é de cor laranja-avermelhado, branda e folheada.
Diâmetro de bordo – 19,7 cm.
N.º de Inventário – E.P.04/1
Cronologia – Séculos VI-VII
Forma indeterminada
Fragmento com bordo e carena. Forma indeterminada, de grande diâmetro.Apresenta bordo de secção arredondada com espessamento externo saliente. O lábio e a superfície externa apresentam-se alisados e cobertos por um espesso engobe de tom acinzentado. A superfície interna apresenta-se pouco alisada. A pasta é grosseira e de cor negra. Apresenta elementos não plásticos de grão médio e fino, nomeadamente quartzitos e quartzo leitoso. A mica é escassa.O tipo de bordo, arredondado com espessamento externo, situação rara em contexto visigótico, têm todavia mais expressão em contexto islâmico a partir do Emirato, o que permite sugerir que estaremos em presença de uma produção local com influência islâmica e datada já do século VIII.
Diâmetro de bordo – 26,3 cm.
N.º de Inventário – E.P.04/2
Cronologia provável – Séculos VII-VIII

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3.2. “ Pia Baptismal “.
3.2.1. Catálogo.
Pia Baptismal Paleocristã
A peça talhada em calcário conquífero, apresenta-se muito rolada. A face superior mostra uma grande concavidade circular perfeita na zona central, rodeada por quatro concavidades também circulares, mas de menor dimensão.
Diâmetro – 42 cm.Diâmetro de bordo da concavidade central – 30,5 cm.Altura – 22 cmDiâmetro da base – 31,2 cm.Profundidade máxima da concavidade central – 16,4 cm.
Diâmetro de bordo médio das concavidades laterais – 0, 75 cmProfundidade média das concavidades laterais – 0,26 cm
N.º de Inventário – E.P/1
Bibliografia – Fernandes e Carvalho, 193.2.2.
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Comentario.
3.2.2.1. Fase inicial de uso.
Na primeira abordagem que efectuamos à peça, pensávamos na altura já com algumas reservas, que estaríamos em presença de uma base de coluna, contudo não apresentamos uma leitura acerca da função das concavidades existentes, que sempre nos intrigaram.
Actualmente, com novos elementos interpretativos disponíveis, mantemos a hipótese inicial de se tratar de uma base de coluna, que numa fase posterior foi adaptada a “ pia baptismal “.
Os melhores paralelos que encontramos referentes à base de coluna, são provenientes de peças semelhantes exumadas em Mértola na “Igreja Paleocristã”.
Na foto nº 11[1] é visível um programa decorativo idêntico à peça das Paulinas. Segundo Santiago Macias, a Igreja terá sido construída provavelmente em 462 d. C[2].
Se efectivamente a peça das Paulinas teria sido uma base de coluna, desconhecemos a sua proveniência. O calcário conquífero que constitui a peça parece ser de idade geológica do Miocénico e é semelhante a certos afloramentos da região da cidade de Lisboa, nomeadamente na zona de Santos o Novo/Santa Apolónia, no local onde se implantou o Convento com o mesmo nome.
Se aceitamos a hipótese de a peça em presença demonstrar um reaproveitamento diferente da sua função inicial, teremos que pressupor que a sua elaboração terá ocorrido num momento anterior.
A sua tipologia pouco adianta em termos cronológicos, porque se trata de uma gramática decorativa que pouco evoluiu durante o Alto e Baixo Império.
Um dado que deveremos realçar é a sua dimensão, que poderá ser um indicador da sua função inicial. De facto o seu tamanho permite supor que faria parte de um conjunto monumental, provavelmente de caracter publico e tal facto pressupõe por um lado que esse edifício se localizava em contexto urbano e que a sua construção terá ocorrido num dado momento, anterior ao século IV.
A documentação romana tardia mostra que é a partir dessa centúria, que alguns imperadores elaboram legislação a autorizar o reaproveitamento de materiais existentes em monumentos públicos, caso de Teodósio.
Segundo Sonia Gutierrez, uma das características da cidade tardia é o predomínio do individual sobre o público e nesta perspectiva têm todo o sentido o reaproveitamento dessa classe de materiais.Bons exemplos desta situação poderemos ver em Barcino (escavações da Praça do Rei) ou em Idanha-a-velha.
3.2.2.2. Segunda Fase de utilização (adaptação à liturgia cristã).
As razões que levaram a um reaproveitamento da peça para fins litúrgicos cristãos poderá não ser difícil de explicar, contudo que o destino final tenha sido no Escorial das Paulinas, torna-se numa questão mais complexa e pouco clara, devido às características da documentação arqueológica visível no local, que é escassa e também à inexistência de uma intervenção arqueológica, num local que à partida parece estar muito destruído pelas actividades agrícolas.
A transformação da hipotética base de coluna em bacia baptismal, representa um reaproveitamento de uma peça que possui as dimensões interessantes ao fim em vista.De facto nota-se que foi efectuado um conjunto de operações destinadas a transformar a peça para a adaptar às suas novas funções.
Para além de se ter invertido a orientação inicial da peça, a zona que foi alvo de transformação correspondia à sua base.
Nela foi escavada uma grande saliência central ladeada por quatro outras saliências de menor dimensão.A zona imediatamente inferior foi polida de forma a transformar essa zona num colo e para conferir à peça uma leitura de bacia baptismal.O melhor paralelo encontrado até ao momento é proveniente de Mérida (figura 197/pilas) e foi dado a conhecer por Cruz Villalón no seu trabalho – Mérida Visigoda, 1985.
Seguindo a autora[3], este conjunto de peças:” Sigue siendo un problema dentro de la arqueología cristiana hispánica definir con exactitud la función de un conjunto significativo de pilas, la mayoría con carácter religioso a juzgar por su iconografía. Es lógico pensar que tuvieran una conexión con la ceremonia del bautismo.”
Mais à frente a autora chama a atenção que nesta fase romana tardia e tendo como base os textos existentes, a forma típica de baptismo era pela prática de imersão, aludindo-se ao termo “fons” que quer dizer piscina e não pia.
Contudo a documentação arqueológica demonstra a existência de algumas pias baptismais, dispersas pela hispânia e sem contexto arqueológico preciso.
No presente caso das Paulinas, a pia baptismal aparece num contexto romano tardio, num local que à primeira vista funcionou como escorial e que em termos cronológicos talvez tenha sido desactivado em contexto islâmico emiral.
3.2.3.Conclusões possíveis.
Se efectivamente estaremos em presença de uma “pia baptismal “, torna-se mais problemático explicar o porquê do seu aparecimento no Escorial da Paulinas.
Em princípio e como já referimos, estamos em presença de uma oficina de metalurgia que terá tido início nos séculos V/VI e terminará em meados do século VIII.
A pia, revela por outro lado uma faceta religiosa inesperada que põe em causa uma leitura tão simplista das funções deste local e que importa reflectir.Após os donos do terreno terem arrancado um pomar de pêssegos aí existente em meados dos anos 90 do século passado, o terreno terá sido de tal maneira revolvido e destruído, que na última vez que lá estive em 2005, tive dificuldade em detectar vestígios arqueológicos à superfície.
Por outro lado, a inexistência de materiais de construção no local (pedra ou lateres romanos), e por outro lado constatando a existência unicamente de imbrices, levam-nos a supor que a existirem construções no local, estas teriam sido erguidas com base nos materiais mais comuns no local, como por exemplo a madeira e a argila.Dados obtidos na vizinha ocupação do Zambujalinho, (segundo Isabel Cristina Fernandes que agradecemos), sabemos que era conhecida e utilizada a técnica de construção em taipa.
Esta mesma técnica foi a título de exemplo utilizada na ocupação romana da Ilha do Pessegueiro.
Talvez esta hipótese de construções em taipa, explique a cor da areia, que para além de apresentar manchas escuras por causa da escória, apresenta também grandes manchas arenosas de cor amarelada, de textura argilosa.
Face ao exposto, admitimos que estaremos em presença de uma oficina de metalurgia de ferro e que nela existiu um edifício de culto paleocristão que ministrava o baptismo e o culto na região envolvente da Marateca.
Poderia ser um Monasterium, mas estamos mais inclinados em supor que provavelmente seria uma sede de paróquia rural, que daria apoio espiritual à população residente na região e àquela que trabalhava nos escoriais vizinhos.
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Bibliografia principal.
CRUZ VILLALÓN, M (1985) – Mérida Visigoda. La escvltura arqvitectónica y litvrgica. Badajoz.
MACIAS, S (1993) – Um espaço funerário. In Museu de Mértola. Basílica Paleocristã, páginas 30 - 62

FERNANDES, I Cristina e CARVALHO, A Rafael. 1993 - Arqueologia em Palmela 1988/92. Catálogo da exposição. (peça nº 19, páginas 17 e 19).

FERNANDES, I Cristina e CARVALHO, A Rafael. 1996. - Elementos para uma Carta Arqueológica do Periodo Romano no Concelho de Palmela. Actas das I ªs Jornadas sobre Romanização dos estuários do Tejo e Sado, páginas 111-135. Publicações D. Quixote.

MARQUES, G. (1986) – Relatório. Prospecção de Património da Freguesia da Marateca., Câmara Municipal de Palmela. (Policopiado).
Varios Autores (1981) Atlante delle forme ceramique. I Cerâmica fine romana nel bacino mediterrâneo (médio e tardo impero), páginas 109-110
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[1] Macias, Santiago. 1993. Um espaço funerário. Museu de Mértola. Basílica Paleocristã. Página 42.
[2] Macias, Santiago. 1993. Um espaço funerário. Museu de Mértola. Basílica Paleocristã. Página 54.
[3] Obra citada, página 233, referente às pilas.