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quinta-feira, junho 18, 2009
Alcácer do Sal na segunda metade do século XII
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Publicada por ARC à(s) 6/18/2009 09:34:00 da tarde 4 comentários
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quarta-feira, outubro 15, 2008
Uma Maneira Diferente de Analisar a Campanha de Ya´Qub al-Mansur na Arrábida em 1191.
Publicada por ARC à(s) 10/15/2008 09:46:00 da tarde 0 comentários
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domingo, outubro 05, 2008
Aspectos do Quotidiano em Alcácer, em Contexto Islâmico
(Versão on-line do artigo publicado no Boletim da ADPA, Neptuno Nº 13, 2008, p. 5-7.)
1. Introdução
A quase totalidade da investigação referente a Alcácer, tem preveligiado a componente militar, especialmente na sua fase final, culminando na conquista de 1217.
Fica-se com a ideia de que os alcacerenses muçulmanos, nasciam, cresciam e morriam em “stress de guerra”[2].
Quando começamos num outro patamar de investigação, a ler e analisar a documentação em lingua árabe, deparamo-nos com expressões do tipo:
- Ḍaw´al-ṣabāḥ (luz da manhã); Gāyat al-munà e Muntahà l-munà (objecto dos desejos); Riyāḍ al-ḥusn (jardins das formosas); Sirr al-ḥusn (segredo da formesura); Uns al-qulūb (casa dos corações) e Zahr al-riyāḍ (flor dos jardins).
Esta linguagem não é compatível numa sociedade, que só pensa na “Guerra Santa”.
Na realidade, exitiam relações humanas bastante complexas, desejos, ódios e mais realidade para além do conflito; - quando era possível, os contactos comerciais e as alianças politicas entre os beligerantes, eram retomados. Tambem ocorreram alguns casamentos entre beligerantes [3].
Por outro lado, estamos perante uma estrutura civilizacional muito rica, que é sensivel à beleza do mundo e das mulheres;- que bebeu muito da sua matriz, nos “rituais de corte” das civilizações orientais, desde o Egipto até à Persia.
Talvez um reflexo desta realidade, prendem-se com o facto de existirem as “Lendas das Mouras Encantadas”, que povoam o imaginário mítico do nosso país a sul do Tejo[4]. Basta pensar na Lenda da Almina de Alcácer.
Depois de toda esta problemática exposta, será que é possível levantar o véu, “das intimidades”, que terão existido em Alcácer, no final do periodo islâmico ?[5]
2. “Anatomia” de uma medina: O caso de al-Qasr.
Antes de mais, é importante começar a entender que tipo de cidade terá sido Alcácer em contexto islâmico e termos sempre presente, que as posturas por ela assumidas, foram diferentes ao longo dos séculos.
Em suma, o tipo de quotidiano, as relações humanas e o desenvolvimento cultural vividos em al-Qasr, são reflexos do enquadramento desta medina no âmbito geral do Andalus.
Alcácer assume-se nas fontes desde o século IX, como uma “pequena e bonita cidade”, banhada pelo rio, sendo classificada de base base militar, voltada para a defesa da costa e comercio oceânico.
Em contexto califal é eleita como a unica base naval do “Estado Omieda” no Atlântico[6].
O que importa realçar neste diagnóstico, é que Alcácer, desde finais do século IX, após a instalação dos Banu Danis, possui nas fontes muçulmanas medievais, o estatuto de cidade (portuária[7]).
Esta questão de base é importante, porque em termos de hieraquia de “estruturas de povoamento”, Alcácer encontra-se quase no topo[8], implicando responsabilidades acrescidas que tiveram expressão no seu espaço regional.
Utilizando como bases de análise as actuais unidades administrativas portuguesas a sul do rio Tejo e excluindo o Algarve, só terão existido três cidades em contexto islâmico (Beja, Évora e Alcácer). Elvas só surge mais tarde, mas sempre na sombra de Badajoz.
Alcácer terá rivaliza com o porto de Lisboa no seu espaço regional, abastecendo e servindo de “porta oceânica” às cidades interiores de Beja e Évora [9].
Torna-se-à em determinadas fases, sede de “Reino Taifa”, demonstrando o poder das suas elites locais e a sua autonomia, em termos económicos e culturais.
No âmbito populacional (tendo como base de análise a “Fase Pós-Califal”), a população alcacerense muçulmana seria constituida essencialmente por Berberes [10], Al-Mawali[11], Arabes[12] e em menor número por Moçárabes[13]. Desconhecemos a existência de Judeus em al-Qasr, mas não podemos pôr de lado a sua presença na medina [14].
Se é claro que Alcácer, é a unica cidade entre Lisboa e Silves, como porto de comercio de longo curso e eixo comercial, será sempre um polo de atracção de pessoas e de “investimento estatal” ao longo dos séculos.
Esta questão leva-nos naturalmente a outra:
- Apesar de existirem escassas referências documentais em relação a Alcácer, em termos de análise históriográfica, é possível desenhar um quadro de comportamentos e diagnósticos de actuação, tendo como base os exemplos que conhecemos para as outras cidades do Andalus [15].
3. O Matrimónio
No Andalus, nasciam-se raramente fora do casamento.
O que vai ser preveligiado neste estudo, serão os nascimentos ocorridos em contexto matrimonial [16].
Por outro lado, vamos preveligiar nesta analise, um olhar mais atento em relação à componente feminina do casal.
Como era encarada a mulher alcacerense, em contexto islâmico?
- Seguia-se a norma geral andalusa, de ela ser considerada “sagrada” e “intocável”.
Mas por questões de ordem histórica, ela sentia o pavor de um dia, poder ficar refêm de forças cristãs.
A sociedade muçulmana tentava por todos os meio evitar esse estado de coisas.
Pagavam-se resgates e muitos conflitos foram travados, para resgatar mulheres cativas.
O livro Ajbar Maymu´a, conta que o dirigente andalus Al-Rabadi encabeçou pessoalmente um incursão em território cristão, para salvar uma mulher[17].
Segundo Ibn Sahil, são necesárias três condições para o matrimónio: - O tutor[18], o dote[19] e duas testemunhas.
Para evitar conflitos desnecessários em relação ao dote, um dos costume vigentes, era a familia da jovem ficar encarregue de preparar o “enchoval da noiva”[20].
A preparação da noiva para a boda recebia o nome de Sura [21]. O seu noivo tinha que lhe oferecer vários presentes, consuante o seu nível económico.
No contrato matrimonial figurava o nahla. Corresponde a uma oferta da familia para os noivos, que poderia ser em dinheiro ou incluir uma casa.
Para a cerimónia ter efeitos legais; - as jovens tinha que ter a idade mínima, era necessário a presença do tutor e a aprovação de ambos os noivos.
Para o homem poder tornar-se noivo, tinha que provar que tinha capacidade económica para manter a esposa e dar-lhe uma vida estável.
Depois de ter sido aceite o acordo matrimonial, a data da boda era escolhida por ambas as familias.
Era dado uma semana de intervalo até à data da cerimónia. Entretanto a noiva ia-se embelezando e recebia as amigas.
No dia da boda, a noiva saia, seguida geralmente por burros carregados com o seu enxoval ao encontro do noivo.
Os festejos eram acompanhados por musica e nessa celebração, os homens e mulheres podiam conviver mutuamente.
4. O Papel da Mulher dentro da Esfera Familiar.
Podemos considerar a mulher como o nucleo principal na estrutura social Andalusa [22], apesar de ela viver numa sociedade profundamente patriarcal. [23]
O seu papel como formadora, educadora e transmissora de cultura e dos valores é inquestionável. É ela que se encarrega de ensinar em casa os rudimentos da leitura e da escrita às crianças, especialmente às raparigas.
Segundo a sociedade islâmica, a obrigação mais importante da mulher, sobrepondo-se ao conjugal, é cuidar dos seus filhos, porque a maternidade possui um valor religioso.
Mesmo repudiada pelo marido ou viuva, a mãe conserva a custódia dos seus filhos, até à puberdade no caso de um filho ou até ao casamento de um filho, no caso de ser uma filha.
Al-Maqqari dá a conhecer uma reflexão em árabe, cujo sentido aproximado é este: “ - A mulher é a fonte dos filhos, é ela a flor do paraíso e a paz de um coração cansado de pensar”.[24]
Ao casar-se a mulher fica com três obrigações : para com o marido, os seus filhos e com a casa.
Mas ela recusava um papel meramente passivo.
Sempre que podia, assumia um conjunto de trabalhos que resultavam em algum benefício económico, nomeadamente (com base em Ibn Hazm, século X e outros autores):
- Existiam mulheres curandeiras, parteiras, médicas, amas de leite, aplicadoras de ventosas, vendedoras ambulantes, cantoras, mestras de canto, fiadoras, tecelãs, escritoras[25], as que escreviam cartas de encomenda, etc.
No caso das fiadoras, os intermediários homens para a venda, eram obrigados a cumprir um conjunto de deveres morais, como a piedade e a virtude.
Uma das profissões especializadas da mulher relacionava-se com o perto. A qabila ou parteira, não se limitava a assistir ao parto. Os seus serviços eram solicitados em casos de litigios de partilhas, quando tinha que testemulhar se seterminada mulher estaria grávida ou se um bebé teria morrido ao nascer.
As amas de Leite eram contratadas quando uma jovem mãe estava doente ou não tinha leite. Tratava-se de uma das profissões femininas mais conceituadas em contexto andalus. Para alem de amamentar o bebé, tinha que o manter limpo e lavar as suas roupas. Este trabalho tinha implicações legais para o resto da vida. Por exemplo, o matrimonio entre um homem e uma mulher de familias diferentes, mas amamentados pela mesma ama de leite, estão legalmente proibidos de casar entre si. Essa proibição era extendida entre o rapaz amamentado e a sua ama, incluindo os parentes directos de esta. Porque ao ser amamentado, o bebé ficava com laços de parentesco de leite com a sua ama.
Apesar de existir uma imagem feita, de que o homem muçulmano podia casar legalmente com várias mulheres, na realidade isso fazia parte de uma minoria da população.
A maior parte das familias muçulmanas viviam com dificuldades económicas, por isso o tipo de casamento comum, seria a monogamia e a ausência de escravos.
Um bom exemplo desta situação, é analisarmos a gestão do espaço habitado em Alcácer, identificado para o contexto islâmico na área do “Forum Romano”, onde o que salta à vista, é a grande compartimentação do espaço edificado.
E a mulher muçulmana, seria bonita ou pouco atraente segundo os padrões da época?
Segundo as fontes, as andalusas destacavam-se pela sua belesa. Segundo Ibn Al-Jatib (Contexto Nazari):” As mulheres de Granada são belas, não muito altas. Têm boas qualidades e virtudes...”
Em jeito de conclusão e tomando como base o estudo de Mesned Alesa: [26]
- Em termos gerais, as mulheres no Al-Andalus tinham maior esfera de acção que as mulheres do resto do mundo islâmico. Como afirmou Henri Teres, a mulher andalusa não era prisioneira das leis e costumes islâmicos como as demais mulheres musulmanas.Muitas lutarem, outras foram duramente criticadas, mas actuaram sempre segundo a sua consciência.
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[1] Para simplificar o texto, optamos por não utilizar qualquer critário na transliteração dos nomes e palavras árabes. (tirando casos pontuais)
[2] Infelismente isso era uma realidade, tanto de muçulmanos como de cristãos
[3] Caso da mulher islâmica em território cristão e mulher cristã em território islâmico. Ao homem, não lhe era permitido tão facilmente em território exógeno, arranjar noiva. Se ele fosse cristão em território regido pela Lei Islâmica, só poderia casar com uma mulher islâmica, convertendo-se em muçulmano. Caso contrário, tentava raptar a escolhida, mas pouco depois já sabia que teria um exército muçulmanos atrás dele!
[4] Em termos de discurso históriográfico oficial, o que insentivou a conquista a sul do tejo foi a recuperação do território cristão que foi usurpado pelos muçulmanos. As lendas da Mouras, numa análise mais psicológica, dão nos pistas interessantes, sugerindo que os cavaleiros cristão não ficaram indiferentes às beldades muçulmanas que iam encontrado, conquista atrás de conquista. Os dramas e as privações relatados nalgumas lendas, são reflexos rígidos dos códigos sociais da época, porque a mulher muçulmana é considerada um “território sagrado” e como tal só pode casar com um muçulmano. Mesmo refêm dos cristão esta norma prevalece. Se a mulher for desonrada, só lhe resta o suicidio ou então converter-se em cristã.
[5] Fica o desafio. Neste trabalho iremos aflorar a questão do nascimento. Noutros falaremos de outras questões, tentando “fugir” da resenha histórica e começar a entrar no “quotidiano” de quem à séculos viveu nesta terra.
[6] A seguir a Sevilha. Na prática terá competências superiores em relação a Silves, enquanto Lisboa comporta-se como porto oceânico, destituido de “competências militares”, visto estas estarem sediadas em Alcácer.
[7] Alguns autores chegam ao pormenor de referir a existência de marés (muito importante para a navegação) e da existência de uma construção naval que alimentava um activo comercio fluvial e oceânico.
[8] No topo temos as Medinas (cidades), depois os Hisn-Medinas (Castelos que teriam uma função de quase cidade); logo depois seguem os hisn (castelos), as alcarias (aldeias) e por fim as torres e os casais agrículas.
[9] Na realidade comporta-se como o “porto” dessas duas medinas.
[10] A componente berber sempre foi muito importante em Alcácer (pelo menos em termos de elites). Desde os Banu Danis (Masmudas) e até à anexação deste território no califado Almoada (também ele de matriz Masmuda), Alcácer comporta-se culturalmente como um espaço de essencia berbere “Masmuda”, que vai ter outras implicações (em termos politicos e sociais), que serão abordados noutros trabalhos.
[11] No plural Al-Mawla. Segundo Ibn al-Qutiya “ É o seguidor ou o aliado que pede pertencer a uma determinada tribo, a qual satisfará o seu pedido”. (na sua maioria seriam muçulmanos e não árabes)
[12] Teriam pouca expressão em Alcácer.
[13] População autóctene, que lentamente se torna muçulmana. Os arabes chamavam-lhe de al-musalima. Os que se mantinham cristãos, recebiam o nome de al-a´yam.Terão sido a maioria da população, numa fase inicial.
[14] As comunidades judaicas identificadas no Andalus, coincidem com importantes cidades portuárias, sedes de Reinos de Taifa e polos económicos e culturais, como por exemplo; - Cordova, Toledo, Sevilha, Granada, Zaragosa e Málaga.
[15] É nesta perpectiva que devem ser encarados estes contributos.
[16] Em Alcácer, segundo os dados fornecidos pela arqueológia, (pelo menos dentro de muralhas) os escravos terão sido pouco numerosos. A unica excepção diz respeito ao espaço ocupado pela alcáçova/espaço palatino da medina.
[17] Anónimo, Ajbar maymu´a, Crónica anónima del siglo XI, Trad. Emilio Lafuente y Alcántara, Madrid, 1867, p. 129; Ibn Idari, Ahmad Ibn Muhammad, Al-fayan al-mugrib fi ajbar al-andalus wa-l-magrib, Vol. 2, Dar al-taqafa, Beirut, 1960, p. 72.
[18] Para pedir a mão da noiva, depois de esta ter sido escolhida. No caso dos filhos, eram as suas mães que escolhiam a candidata. (Ibn Sahil, ´Isa, Al-ahkam al-Kubra, Ed. 2, Amman, 1987, p. 79.)
[19] Este era um dos assuntos a discutir antes do casamento. Não era estabelecido um limite, contudo o minimo estava fixado entre um quarto de dinar e três dirhams. O noivo tinha que pagá-lo antes do casamento, pelo menos uma parte.(Ibn Sahil, ´Isa, Al-ahkam al-Kubra, Ed. 2, Amman, 1987, p. 74.)
[20] Este por vezes constituia um problema para o pai da noiva, sendo comum ficar endividado.
[21] Quer dizer beleza.
[22] Mesned Alesa, M. S. (2007). El Estatus de la Mujer en la Sociedad Árabo-Islamica Medieval entre Oriente y Occidente. Tese Doctoral (policopiado), p. 213.
[23] Ibn ´Abbud, Ahmad, Al-Tarij Al-Siyasi wa-llytima´I li Isbiliya fi ´ahd al-tawa´if, Matabi. Al-sawayj, Tetuan, 1983, p. 192.
[24] Al-Maqqari, Sahab Al-Din Ahmad, Nafh Al-tib, Vol. 6, Dar Sadir, Beirut, 1968, p. 439.
[25] As escritoras (Katibat) eram mulheres que possuiam conhecimentos caligráficos e de minucidade para copiar exemplares do Corão.
[26] Obra citada (2007), p. 226-233.
Publicada por ARC à(s) 10/05/2008 10:09:00 da tarde 1 comentários
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O Papel do Hisn Turrus/Torrão, no Sistema Defensivo Tardo Islâmico de Alcácer
1. Introdução
Desde meados do século XIX, que alguns autores, como Dozy, têm concluído sem muita convicção que o castelo chamado Turrus, referido por Ibn Idari[1], no seu relato dedicado ao desastre das tropas almóadas em Santarém, corresponderia aos actuais castelos de Torres Vedras, Torres Novas ou ao castelo de Coruche, como é exposto como hipótese num trabalho recentemente publicado[2].
Pela nossa parte, com base nos estudos que temos levado a efeito no Baixo Sado Islâmico e numa reanálise do al-Bayan al-Mugrib Fi Ijtisar Ajbar Muluk al-Andalus Wa al-Magrib, avançamos a hipótese de localização desse castelo/hisn Turrus na actual Vila do Torrão.
2. O Torrão em contexto islâmico.
Apesar do grande avanço em termos de investigação histórica e da arqueologia islâmica nos últimos anos na região de Alcácer do Sal, ainda é escasso o conhecimento que temos da ocupação muçulmana no território que actualmente compõe o nosso concelho.
Em relação à presença islâmica na Vila do Torrão, desconhecemos praticamente tudo.Até há pouco tempo, as únicas referências conhecidas da existência de um castelo e de um alcaide, aparecem em alguma documentação medieval cristã de meados do século XV, num período em que o Torrão é sede de concelho.Por outro lado, parece não existir nenhum estudo referente ao passado islâmico desta região com personalidade própria, porque os trabalhos publicados têm sido direccionados para os contextos romanos e para a fase medieval cristã.A análise que temos feito da evolução politica, administrativa e militar de Alcácer em contexto islâmico, têm permitido verificar que o Torrão possui um papel estratégico de primeiro nível, e que domina um espaço estratégico entre Alcácer e Évora.Ainda à muito a investigar, e a falta de documentação arqueológica e a quase ausência de referências nas crónicas muçulmanas e cristãs têm dificultado muito o estudo do Torrão neste amplo período, que vai desde a antiguidade tardia até à autonomia concelhia obtida em 1249.
Este nosso contributo, o primeiro que pretende reflectir um pouco sobre o Torrão e o seu território em contexto islâmico, será direccionado para os finais do século XII e inícios do XIII e irá ter como base, um relato de um autor muçulmano que escreveu uma crónica valiosa sobre o Califado Almóada, relatando com pormenores desiguais uma série de factos acontecidos nessa época.Dividimos o trabalho em duas partes:- Na primeira será feita a análise do texto muçulmano com base nos novos dados historiográficos.- Por fim, partido da certeza com base na análise exposta que o topónimo hisn turrus citado no troço de texto em análise, corresponde à actual Vila do Torrão, iremos analisar o referido castelo à luz dos eventos dos finais do século XII e inícios do século XIII, valorizando esta praça-forte na zona de fronteira entre o Reino de Portugal e o Califado Almóada.
O mapa apresenta a fronteira entre o Reino de Portugal e o Império Almóada em 1184 após o desastre islâmico de Santarém. A linha em direcção ao Torrão mostra o trajecto provável do exército almóada de regresso a Sevilha, com o emir almóada gravemente ferido de morte.
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3. A Fonte muçulmana.
Turrus é um topónimo frequente no al-Andalus, com vários exemplos no sul de Espanha.No âmbito do relato de Ibn Idari, verificamos que o autor por vezes ao querer simplificar toda a trama politica e psicológica dos eventos, não vai ao pormenor de diferenciar os vários Turrus do território Português.
Só uma leitura mais atenta dos intenerários tomados e do contexto geográfico relatado, permite identificar o castelo Turrus em causa, ou seja; - nuns casos ele refere-se ao Castelo de Torres Novas e noutros refere-se ao castelo de Torres Vedras.Noutros casos, alguns autores sugerem sem muita convicção que o cronista muçulmano esteja a falar do Castelo de Coruche ou então o Castelo de Montemor-o-novo, que na nossa perspectiva não têm fundamento, tanto a nível linguístico como da própria conjuntura militar descrita.
A referência ao Turrus que nos interessa, vem descrito no capítulo que Ibn Idari dedica ao desastre de Santarém, acontecimento ocorrido em 1184 e cujo resultado foi muito traumatizante para o califado almóada, porque é na sequência dessa derrota militar que o emir al-Mu´minim, pai do Ya´qub al-Mansur é ferido de morte, vindo a morrer no decurso da viagem de regresso, depois de atravessar o rio Guadiana, algures entre Moura e Serpa.O próprio Huici Miranda no estudo crítico que faz às várias fontes muçulmanas e cristãs, chega à seguinte conclusão:“
- Este Turrus o Torres que el «Bayan» coloca claramente en el Alentejo, no puede ser ni el Torres-Vedras, que quiere Dozy, ni el Torres Novas, cerca de Tomar, que fue asaltado seis años más tarde por Ya´qub al-Mansur. No he podido localizarlo en esa región…”[4]Por ser um texto longo, iremos só comentar alguns trechos com interesse para o nosso trabalho, transcrevendo-os numa tradução livre que efectuamos da tradução do árabe para o espanhol, de Huici Miranda. (PUBLICAÇÃO DA NOTICIA DA MORTE DO EMIR AL-MU´MINIM, ABU YA´QUB, FILHO DE ´ABD AL-MU´MIN, NESTA CAMPANHA, páginas 71 a 73).
“ Disse Abu-l-Hayyay Yusuf b. ´Umar: que quando empreendeu o Amir al-Mu´minin esta campanha, em que morreu, contra o inimigo do Algarve, Ibn al-Rink[4], ….., por causa da má vizinhança e graves danos aos muçulmanos, decidiu dirigir-se a Santarém, a cidade com as maiores muralhas de Ibn al-Rink, a mais bonita e com mais soldados, assim como a mais forte em aprovisionamentos. Avançou contra eles num avanço que espantou os infiéis e lhes desfez o coração.”Apesar de justificar perante os seus leitores as fortes razões que motivaram a necessidade desta expedição, por causa da “ má vizinhança e graves danos aos muçulmanos infringidos pela má vizinhança de Ibn al-Rink “, Ibn Idari procura a todo o custo realçar o impacto desta expedição e tentar minorar o desastre que representou para o poder Almóada esta operação militar, que deveria ser de castigo contra os portugueses.Como represália ao desastre sofrido junto das muralhas de Santarém, as tropas almóadas em retirada praticaram uma politica de terra queimada.Refere o texto que depois de ter sido ferido gravemente por um grupo de portugueses:
“O emir al-Mu´minim atravessou o rio Tejo e acampou na outra margem e foi aí que ele se apercebeu da gravidade dos seus ferimentos.Mandou dissolver a concentração (acampamento) e deu ordem de marcha e avançou pelo meio da região (em direcção ao território muçulmano a caminho de Sevilha pelo meio do território português) e causou uma grande desolação; mandou destruir o que encontrou de edifícios, alterar as águas e arrancar as arvores, arrasar os terrenos semeados e queimar tudo o que podia destruir e fazer desaparecer pelo fogo.
Continuou a marcha desta forma até ao castelo de Turrus e acampou junto a ele, mandou conquista-lo, enquanto repartia parte do seu exercito em colunas para pilharem a região envolvente”.Esta postura do exército almóada é muito importante, porque ajuda-nos a perceber a noção que o poder almóada tinha na prática da sua doutrina de guerra.
Como o autor refere, as tropas muçulmanas em retirada pelo território sob domínio português e como tal pertencente ao Dar al-Harb[5], praticaram uma politica de terra queimada, onde o propósito é a destruição sistemática de recursos e de bens, num acto de vingança pelo desastre sofrido em Santarém.Tal destruição só é possível em território cristão, mas é proibida e evitada em território considerado islâmico, o chamado Dar al-Islam.Se o autor muçulmano relata que as destruições foram efectuadas em território cristão e cessam após a conquista do Castelo de Turrus, é porque este castelo sobe o domínio português fazia a fronteira com o império almóada.
Em 1184, o reino de Portugal dominava as cidades de Alcácer e Évora, por isso a fronteira passava um pouco a sul da actual vila do Torrão.Face ao exposto, por questões de ordem toponímica e geográfica, o castelo Turrus referido por Ibn Idari, neste relato só pode ser o actual Torrão.“As expedições de pilhagem foram confiadas pelo emir almóada, a Sayyid Abu Zayd,, filho do seu irmão Abu Hafs. Este conseguiu ao fim de alguns dias, arranjar com dificuldade alguns bens.
Entretanto o emir almóada tinha ficado no castelo Turrus a descansar.Chegaram junto do califa, mas este estava obrigado a estar deitado e havia dias que não saia e não recebia ninguém.
Pouco depois ordenou porem-se em marcha. Continuou o caminho e a debilidade ia aumentando para desespero dos médicos presentes; -Ibn Zuhr, Ibn Muqil e Ibn Qasim.Pouco depois de ter passado o rio Guadiana (provavelmente pouco depois de Serpa, porque Ibn Idari não especifica o local), o emir morre.O seu falecimento será mantido em segredo até chegarem a Sevilha. (Será nessa cidade que o seu filho Ya´qub al-Mansur será proclamado como novo soberano do império).
”Segundo o relato que temos estado a comentar, é a partir deste castelo Turrus que as pilhagens e destruições acabam, o que permite afirmar que o castelo do Torrão foi depois de ter sido conquistado aos portugueses, mantido como estrutura militar muçulmana, como guarda avançada do império almóada, sendo inserido no Dar al-Islam.4. O papel do hisn Turrus/Castelo do Torrão entre 1184 e 1191, na estratégia militar almóada contra Alcácer e Évora.
Por estar muito exposto em termos de fronteira em relação às guarnições cristãs de Alcácer e Évora, o mais provável é que tenham sido instalados no castelo uma guarnição de soldados voluntários da jihad, que ficavam na fortificação a fazerem ribat e efectuarem a vigilância da fronteira.Dominando o castelo do Torrão, o exército almóada podia vigiar de perto as cidades de Alcácer e Évora e interferir com a vida normal dessas cidades, tornando as estradas inseguras, pilhando os campos lavrados e roubando gado aos alcacerenses.É provável que o castelo tenha sofrido ataques de represália oriundos das guarnições portuguesas instaladas em Alcácer ou Évora, mas as fontes são omissas e não esclarecem o que aconteceu à guarnição muçulmana de morabitinos aí instalados, durante o período de 7 anos que decorre de 1184 a 1191.
Trata-se de uma questão ainda em aberto.Pensamos que a campanha que Ya´qub al-Mansur empreende em 1191, que resulta na conquista Alcácer e na destruição e ocupação por voluntários da jihad dos castelos da Arrábida, terá sido possível graças às informações fornecidas regularmente pelos soldados muçulmanos instalados no Torrão, que empreendiam incursões de espionagem militar para controlarem o movimento e estado das defesas de Alcácer e Évora.Se houve reocupação portuguesa do Torrão antes de 1191 não sabemos, contudo após a conquista de Alcácer pelos almóadas, o castelo do Torrão torna-se na fortaleza avançada dos almóadas para controlarem os movimentos militares cristãos com origem em Évora.
Pensamos que será este papel de praça militar do Torrão, tanto em contexto islâmico como cristão que será importante para lhe dar prestígio e ser motor de desenvolvimento num território pleno de recursos entre duas cidades importantes (Alcácer e Évora) e que depressa se tornará em sede de concelho no século XIII.Toda esta breve análise histórica permite verificar que o Torrão foi uma importante praça militar nos séculos XII/XIII e que ainda falta muito para investigar sobre a sua história.
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[1] Relatado na obra al-Bayan al-Mugrib Fi Ijtisar Ajbar Muluk al-Andalus Wa al-Magrib, tradução de A Huici Miranda, Volume II, 1953, p. 78, texto e nota 3.[2] Fernandes, H. 2005. Quando o Além-Tejo era “fronteira”: Coruche da militarização à territorialização. Actas do IV Encontro sobre Ordens Militares. Palmela, p. 459.
[3] Huici Miranda, 1956. Historia Politica del Império Almohade. Primeira Parte, página 306, nota 3.
[4] Nome dado pelos cronistas muçulmanos ao rei D. Afonso Henriques.
[5] Segundo a doutrina medieval islâmica, o mundo encontra-se dividido em duas partes: - O Dar al-Harb /Terra da Guerra e o Dar al-Islam/Terra do Islão.No Dar al-Harb, a ausência de lei islâmica presume que só exista anarquia e imoralidade, daí que o dever dos muçulmanos é reduzir o território do Dar al-Harb, transformando-o em Dar al-Islam (onde a lei islâmica é aplicada) usando para isso a prática de jihad ou então raramente usando meios pacíficos se possível.
Publicada por ARC à(s) 10/05/2008 07:24:00 da tarde 0 comentários
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O Santuário do Senhor dos Mártires/Alcácer do Sal, em Contexto Islâmico
Versão digital do texto publicado no Boletim da ADPA nº 7, em 2006.
(Actualização 2008)
1. Problemática
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O Escorial das Paulinas/Palmela
Este trabalho foi inicialmente publicado on-line, no Arqueo-Alcácer, Blogpost, em 2006. Mantivemos o texto e as imagens originais.
FERNANDES, I Cristina e CARVALHO, A Rafael. 1993 - Arqueologia em Palmela 1988/92. Catálogo da exposição. (peça nº 19, páginas 17 e 19).
FERNANDES, I Cristina e CARVALHO, A Rafael. 1996. - Elementos para uma Carta Arqueológica do Periodo Romano no Concelho de Palmela. Actas das I ªs Jornadas sobre Romanização dos estuários do Tejo e Sado, páginas 111-135. Publicações D. Quixote.
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Publicada por ARC à(s) 10/05/2008 06:04:00 da tarde 0 comentários
Etiquetas: Antiguidade Tardia, Emirato, Igrejas Paleocristãs, Visigótico