As reservas do museu municipal Pedro Nunes contêm um elevado número de moedas de cronologia romana e portuguesa, que foram objecto de doações de particulares e de trabalhos arqueológicos que foram efectuados ao longo de décadas na área urbana de Alcácer e no concelho.
Apesar dos 5 séculos de presença islâmica na nossa cidade, o número de moedas existentes no museu é de 3 exemplares, o que revela uma situação um pouco estranha tendo em conta a riqueza que esta cidade teve nesse período e as trocas comerciais que manteve com o Norte de África e o Oriente.
Achamos que este não é o espaço adequado para nos debruçarmos sobre esta questão, mas aproveitamos esta oportunidade para apresentar a única moeda almóada existente no nosso museu e que terá sido cunhada entre 1191 e 1216.
Face 1. – Tradução:
Não (há) deus sem Deus
Todo o poder dele (é) para Deus
Não (há) força senão em Deus
(Contêm a cidade onde foi cunhada, mas a sua grafia apresenta dificuldades de leitura. Apesar da sua semelhança com a palavra Fés, também poderá significar Qasr)
Face 2. – Tradução:
Deus é nosso Senhor
Maomé, nosso enviado
Al-Madhi nosso Imã
O dirham em prata que apresentamos nesta breve nota, representa no seu conjunto, em termos da forma quadrada e de mensagem religiosa que encerra, uma clara ruptura com a prática monetária islâmica anterior.
Estudos mais recentes sobre o Califado Almóada e o seu programa político/religioso, têm vindo a demonstrar que terá existido uma clara ruptura entre os Almóadas e a corrente sunita da escola Malikista que sempre foi dominante no al-Andalus.
Por outro lado, em que data começam a circular os dirhem almóadas em Alcácer?
Em principio, nem sempre muito linear, essas moedas, expressão de um poder, só tem sentido se circularem num espaço económico sujeito a um determinado poder.
Importa por isso, saber em que altura Alcácer é inserida no império almóada. Uma leitura apressada dos acontecimentos políticos induz a pensar que esse momento só terá acontecido em 1191.
Uma análise mais detalhada da conjuntura politica pós-almorávida e dos reinos de taifa, permitem supor um quadro algo complexo que necessita de mais investigação, contudo pensamos que terá sido antes de 1191.
O que terá ocorrido em Alcácer neste período?
Numa primeira fase, em meados de 1147 e pouco depois, terá circulado em Alcácer as moedas almorávidas e as do soberno taifa de Évora, Ibn Wazir.
Quando este aceita o poder almóada, terão cesado as emissões monetários em seu nome e torna-se corrente a circulação das moedas almóadas.
Nesta fase algo confusa, Alcácer terá ficado autónoma de Évora num lapso de tempo suficiente para as elites alcacerenses terem convidado para seu soberano um chefe militar de Tavira chamado ali al-Wahibi.
Esta aliança durou pouco, porque Ali al-Wahibi foi assassinado pouco depois pelos alcacerenses que já não conseguiam pagar tanto imposto ao Reino de Portugal.
Optou-se imediatamente pela soberania nominal Almóada, mas na ausência provável de tropas em número significativo, os alcacerenses não conseguiram evitar a conquista portuguesa de 1160.
Após 30 anos de domínio cristão, em 1191 Alcácer entra por conquista no Império Almóada e será nessa altura que recomeça a circular os dirham.
O exemplar existente em Alcácer que apresentamos nesta nota, apesar de ser de proveniência desconhecida, supomos que terá sido encontrado no interior do Castelo.
A sua tradução em português foi obtida no estudo efectuado por António Medina Gómez, no livro que publicou em 1992 sobre “ Monedas Hispano-Musulmanas [1]“.
Segundo o autor, trata-se de uma série com esta legenda em ambas as faces e que foi cunhada no Norte de Africa e no Al-Andalus em lugares anónimos e noutros como é o caso de: - Tlemecen, Argel, Bugia, Tunis, Ceuta, Fés, Mequinez, Marraqueche, Segilmesa, Rabat, Tinmal, Al-Sus, Sevilha, Jerez, Córdova, Jaén, Granada, Málaga, Múrcia, Valência, Maiorca, Menorca, Dénia, Al-Andalus.
O facto de se tratar de uma série anónima, no sentido em que não têm data e o nome do Califa, mas conter o local onde foi cunhada, têm levado outros autores a levantarem a hipótese de este tipo de moeda, com citações do livro sagrado ter uma função clara de propaganda dentro do dogma almóada e assim a cidade referida seria inserida no grupo restrito de “lugares sagrados “ definidos pelo califa almóada.
Tal prática procurava acima de tudo fazer concorrência com o oriente dominado pelos Ayyubias e insentivava os fieis muçulmanos a fazerem peregrinação dentro do espaço imperial almóada, evitando deslocações a Meca.
Um dos critérios para considerar uma cidade sagrada era a sua conquista dentro do império almóada, com os seguintes atributos: - Se esta tinha sido difícil e se o representante máximo do estado estava presente.
A análise da documentação da época, prova que o califa esteve pessoalmente em 1191 a comandar a conquista de Alcácer aos Portugueses e que após ter entrado na cidade resolveu mudar de nome, para al-Qasr al-Fath./Alcácer da Vitória.
Pensamos que reside neste facto, a mudança de nome, a prova que o Califa Ya´qub al-Mansur estava determinado em transformar Alcácer numa “ cidade sagrada de peregrinação “, que na época seria um dos factores mais importantes para atrair voluntários da Yhiad para defenderem a fronteira.
Outra forma mais eficaz para transmitir esta nova função de Alcácer seria com a emissão de moeda comemorativa da conquista, o que poderá ser o caso presente, caso a nossa leitura esteja correcta.
Por outro lado não podemos esquecer que al-Mansur recusou ceder a sua frota militar a Saladino, quando este pediu ajuda para recuperar a Palestina aos cruzados, porque o califa Almóada necessitava dos navios para a conquista de Alcácer, como veio a acontecer.
Independentemente da confirmação deste dado, se Alcácer era considerada uma cidade sagrada pelos almóadas, o que importa sublinhar é o carácter sagrado da moeda almóada, como veículo da palavra de Deus transmitida ao Profeta Maomé e a utilização politica e religiosa feita conscientemente pelo poder Almóada, em concorrência com o Califado Oriental.
Ecos desta função sagrada de Alcácer poderão ter chegado aos Portugueses, porque o relato da conquista de 1217 é descrita numa perspectiva de duelo entre cristãos e muçulmanos e a vitória é dada por Deus, porque é ele que têm a ultima palavra.
Outro dado a reter é o carácter transcendente da vitória cristã de Navas de Tolosa em 1212 e a comparação e os lamentos que os cronistas muçulmanos fazem com a perca de Alcácer em 1217.
Face ao exposto, talvez neste momento possamos compreender que a instalação da Sede da Ordem de Santiago em Alcácer tenha a ver com a bênção que esta terra tinha em contexto Tardo Islâmico e que foi aceite pelos novos senhores.
Independentemente da confirmação deste dado, se Alcácer era considerada uma cidade sagrada pelos almóadas, o que importa sublinhar é o carácter sagrado da moeda almóada, como veículo da palavra de Deus transmitida ao Profeta Maomé e a utilização politica e religiosa feita conscientemente pelo poder Almóada, em concorrência com o Califado Oriental.
Ecos desta função sagrada de Alcácer poderão ter chegado aos Portugueses, porque o relato da conquista de 1217 é descrita numa perspectiva de duelo entre cristãos e muçulmanos e a vitória é dada por Deus, porque é ele que têm a ultima palavra.
Outro dado a reter é o carácter transcendente da vitória cristã de Navas de Tolosa em 1212 e a comparação e os lamentos que os cronistas muçulmanos fazem com a perca de Alcácer em 1217.
Face ao exposto, talvez neste momento possamos compreender que a instalação da Sede da Ordem de Santiago em Alcácer tenha a ver com a bênção que esta terra tinha em contexto Tardo Islâmico e que foi aceite pelos novos senhores.
Bibliografia
CARVALHO, A Rafael; FARIA, J. Carlos e FERREIRA, M. Aires. 2004. Alcácer do Sal Islâmica. (Arqueologia e história de uma Medina do Garb al-Andalus).
VEGA MARTÍN, M. e PEÑA MARTIN, S. 2003. El hallazgo de monedas almohades de Priego de Córdova: aspectos ideológicos. Rev. Antiqvitas, nº 15. páginas 73-78.
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