Uma Primeira Abordagem à “Geografia Sagrada Tardo-Islâmica” no Alentejo Litoral.[2]
1. Introdução
Quando estudamos numa perspectiva “lata” o urbanismo das medinas islâmicas, centramos quase sempre a nossa análise sobre as mesquitas, as alcáçovas, os sistemas defensivos e as estruturas económicas.
Se a nossa análise privilegiar o estudo das estruturas religiosas, a sua disposição no espaço e o impacto que tiveram no ordenamento urbano, é quase certo que nos esquecemos de referir a existência das musallas/Sari´a.
Compreendemos porque razão estes espaços permanecem “quase sempre”invisíveis nos estudos sobre o urbanismo de génese islâmica.
A grande totalidade dos investigadores não lhe atribui muita importância, ou então é o “sistemático desconhecimento” que tem prevalecido até hoje!
Basta para isso consultar algumas teses de doutoramento[3] e artigos que apresentam os novos modelos de evolução das medinas do ocidente do Dar al-Islam (Andalus e Magreb).
Localizadas sempre fora da malha urbana, esteja ela cercada ou não, as musallas correspondem quase sempre a espaços amplos, vazios de construções.[4].
Nos raros casos em que uma musalla foi “fixada na paisagem envolvente” como construção, a abordagem é quase sempre preliminar, limitam-se a assinalar a sua existência [5] e pouco mais.
Mas o que é uma musalla e que papel ela teve na organização do espaço urbano em contexto islâmico?
Se seguirmos a bibliografia existente, pouco há a adiantar.
Resumidamente, as musallas correspondiam a espaços amplos, desabitados, sem edificações e que serviam para duas cerimónias, que contavam com a participação de toda a comunidade. Na prática, tinham a função de “praça”, elemento urbano que não existia na medina islâmica. Noutros casos, caso a topografia fosse favorável, serviam para treino militar.
No Alentejo, cada medina teria uma musalla, contudo e até ao momento, só foram identificadas duas: - Em Alcácer e no Torrão.
Os exemplos identificados no nosso Município, obriga-nos a uma reflexão mais demorada.
Não só por existirem estruturas, como a sua existência parecer sugerir que serviriam para algo mais, do que simples musallas !
1. Introdução
Quando estudamos numa perspectiva “lata” o urbanismo das medinas islâmicas, centramos quase sempre a nossa análise sobre as mesquitas, as alcáçovas, os sistemas defensivos e as estruturas económicas.
Se a nossa análise privilegiar o estudo das estruturas religiosas, a sua disposição no espaço e o impacto que tiveram no ordenamento urbano, é quase certo que nos esquecemos de referir a existência das musallas/Sari´a.
Compreendemos porque razão estes espaços permanecem “quase sempre”invisíveis nos estudos sobre o urbanismo de génese islâmica.
A grande totalidade dos investigadores não lhe atribui muita importância, ou então é o “sistemático desconhecimento” que tem prevalecido até hoje!
Basta para isso consultar algumas teses de doutoramento[3] e artigos que apresentam os novos modelos de evolução das medinas do ocidente do Dar al-Islam (Andalus e Magreb).
Localizadas sempre fora da malha urbana, esteja ela cercada ou não, as musallas correspondem quase sempre a espaços amplos, vazios de construções.[4].
Nos raros casos em que uma musalla foi “fixada na paisagem envolvente” como construção, a abordagem é quase sempre preliminar, limitam-se a assinalar a sua existência [5] e pouco mais.
Mas o que é uma musalla e que papel ela teve na organização do espaço urbano em contexto islâmico?
Se seguirmos a bibliografia existente, pouco há a adiantar.
Resumidamente, as musallas correspondiam a espaços amplos, desabitados, sem edificações e que serviam para duas cerimónias, que contavam com a participação de toda a comunidade. Na prática, tinham a função de “praça”, elemento urbano que não existia na medina islâmica. Noutros casos, caso a topografia fosse favorável, serviam para treino militar.
No Alentejo, cada medina teria uma musalla, contudo e até ao momento, só foram identificadas duas: - Em Alcácer e no Torrão.
Os exemplos identificados no nosso Município, obriga-nos a uma reflexão mais demorada.
Não só por existirem estruturas, como a sua existência parecer sugerir que serviriam para algo mais, do que simples musallas !
2. A “Geografia Sagrada”, como Elemento Estruturante na Medina Islâmica.
Na sociedade islâmica, a localização da Ka´ba na “Cidade Santa” de Meca, requisito importante para orientar as orações diárias, não é um mero pormenor de orientação geográfica.
Este facto também condicionava o quotidiano, desde os aspectos mais mundanos até à esfera mais íntima:
- Por exemplo, as necessidades fisiológicas não podiam ser efectuadas em direcção a Meca.
De notar que tanto as mesquitas, como as musallas, tinham um muro da qibla e um mihrab.
Em termos simbólicos, estes edifícios eram os símbolos mais destacados e visíveis do Islão. Como centros nevrálgicos das comunidades, serviam para a oração, mas também para o ensino, reuniões sociais e eram os cenários privilegiados escolhidos para os acontecimentos políticos e legais, constituindo, segundo Souto,[6] uma autêntica “marca territorial”, da expressão politica e administrativa do Islão.
Tendo em conta a dificuldade que existia em contexto medieval, para se saber com rigor, a localização geográfica de Meca, era concedida uma certa margem de erro na orientação das mesquitas que eram erguidas. O mesmo se passava com o fiel. Ele podia assumir uma determinada direcção, desde que coincidisse com a assumida pela sua comunidade.
Inicialmente, as mesquitas erguidas no século VIII, no Andaluz e Magreb, eram quase sempre orientadas para sul, seguindo a tradição Síria. De facto a palavra al-Qibla, nome dado ao muro que define a orientação sagrada de uma mesquita ou musalla, significa Sul.
Com o desenvolvimento da astronomia e dos cálculos matemáticos, descobriu-se no decurso do século IX que a orientação sagrada de Meca no Andaluz, coincidia com a orientação das igrejas cristãs, facto que deixou perplexos os muçulmanos e que os colocou perante um dilema de difícil resolução.
Começou a ser aceite que a orientação dos edifícios sagrados, não deveria ser tão rigorosa. O fundamental era criar uma diferenciação em relação à orientação das igrejas cristãs.
Por outro lado, no século IX, após um século de presença islâmica no al-Andalus, já tinham sido erguidas várias mesquitas segundo o modelo sírio.[7]
Nos casos em que foi possível demolir a mesquita, a nova construção seguiu a orientação obtida pelos astrónomos. Noutros casos, por imposição da comunidade, a mesquita não foi tocada, tendo-se rectificado a orientação do Mihrab. Noutras situações, o edifício inicial foi mantido, sabendo a comunidade que a orientação não estava correcta. Nestes casos o crente podia, dentro da mesquita, voltar-se para a orientação canónica correcta.
Este conjunto de questões, que afectavam o quotidiano das comunidades, levantou problemas que teriam que ser resolvidas.
Como resposta mais pragmática, alguns “sábios” começaram a advogar que qualquer direcção geográfica seria válida, porque o mais importante era rezar. Pelo menos esta era a postura aplicada aos nómadas, aos comerciantes em viagem e aos peregrinos.
A única excepção, seria quando o fiel entrava no círculo geográfico sagrado de Meca. Aí era obrigado a voltar-se para a direcção exacta da Ka´ba, independentemente de conseguir vislumbrar no horizonte, o edifício ou não.
3. O que é uma Musalla/al-Sari´a?
A Musalla que também recebe o nome de al-Sari´a,[8] corresponde ao espaço, quase sempre livre de construções, que se localiza junto a uma estrutura urbana, mas exterior a ela.
Também pode existir num determinado espaço religioso.
No caso do Ribat de Guardamar, a musalla aí existente, datada do século IX, foi transformada em mesquita no século X, dando origem ao complexo religioso, já em contexto califal.[9]
Em território português, para além dos exemplos de Alcácer e do Torrão, só temos conhecimento de uma musalla ou al-Sari´a que foi recentemente identificada no Ribat da Arrifana.
Mais uma vez, segundo os autores, estamos perante uma musalla que depois de ser transformada em mesquita no século XII, terá dado origem ao complexo religioso, num percurso semelhante ao observado anteriormente em Guardamar.
Por questões de ordem fonética e topográfica, avançamos a hipótese de o topónimo Enxarrique, que define toponimicamente uma vasta planície de aluviões no lado nascente do Castelo de Silves, possa derivar da palavra al-Sari´a (Exaria/Xaria em Catalão e provavelmente Enxaria em Português). Mais uma vez estamos perante um vasto espaço aberto e junto ao espaço urbano, neste caso de Silves, num modelo que lembra o proposto para a musalla de Alcácer, instalada no actual Santuário Mariano do Senhor dos Mártires.
Em termos de coesão social e de ritualização dos deveres religiosos, as musallas tinham a “função” de “praça”, espaço de articulação urbana sempre ausente nas medinas.
De um modo geral e universal, serviam “unicamente” para a ocorrência de dois festejos anuais, onde era obrigatório, a presença de toda a comunidade:
- O final do Ramadão e o início do Ano Novo Lunar.
Ao longo do ano, o espaço permanecia desabitado e caso a topografia fosse favorável, poderia servir para treinos militares, como no caso de Alcácer, Torrão e provavelmente Silves.
Na sociedade islâmica, a localização da Ka´ba na “Cidade Santa” de Meca, requisito importante para orientar as orações diárias, não é um mero pormenor de orientação geográfica.
Este facto também condicionava o quotidiano, desde os aspectos mais mundanos até à esfera mais íntima:
- Por exemplo, as necessidades fisiológicas não podiam ser efectuadas em direcção a Meca.
De notar que tanto as mesquitas, como as musallas, tinham um muro da qibla e um mihrab.
Em termos simbólicos, estes edifícios eram os símbolos mais destacados e visíveis do Islão. Como centros nevrálgicos das comunidades, serviam para a oração, mas também para o ensino, reuniões sociais e eram os cenários privilegiados escolhidos para os acontecimentos políticos e legais, constituindo, segundo Souto,[6] uma autêntica “marca territorial”, da expressão politica e administrativa do Islão.
Tendo em conta a dificuldade que existia em contexto medieval, para se saber com rigor, a localização geográfica de Meca, era concedida uma certa margem de erro na orientação das mesquitas que eram erguidas. O mesmo se passava com o fiel. Ele podia assumir uma determinada direcção, desde que coincidisse com a assumida pela sua comunidade.
Inicialmente, as mesquitas erguidas no século VIII, no Andaluz e Magreb, eram quase sempre orientadas para sul, seguindo a tradição Síria. De facto a palavra al-Qibla, nome dado ao muro que define a orientação sagrada de uma mesquita ou musalla, significa Sul.
Com o desenvolvimento da astronomia e dos cálculos matemáticos, descobriu-se no decurso do século IX que a orientação sagrada de Meca no Andaluz, coincidia com a orientação das igrejas cristãs, facto que deixou perplexos os muçulmanos e que os colocou perante um dilema de difícil resolução.
Começou a ser aceite que a orientação dos edifícios sagrados, não deveria ser tão rigorosa. O fundamental era criar uma diferenciação em relação à orientação das igrejas cristãs.
Por outro lado, no século IX, após um século de presença islâmica no al-Andalus, já tinham sido erguidas várias mesquitas segundo o modelo sírio.[7]
Nos casos em que foi possível demolir a mesquita, a nova construção seguiu a orientação obtida pelos astrónomos. Noutros casos, por imposição da comunidade, a mesquita não foi tocada, tendo-se rectificado a orientação do Mihrab. Noutras situações, o edifício inicial foi mantido, sabendo a comunidade que a orientação não estava correcta. Nestes casos o crente podia, dentro da mesquita, voltar-se para a orientação canónica correcta.
Este conjunto de questões, que afectavam o quotidiano das comunidades, levantou problemas que teriam que ser resolvidas.
Como resposta mais pragmática, alguns “sábios” começaram a advogar que qualquer direcção geográfica seria válida, porque o mais importante era rezar. Pelo menos esta era a postura aplicada aos nómadas, aos comerciantes em viagem e aos peregrinos.
A única excepção, seria quando o fiel entrava no círculo geográfico sagrado de Meca. Aí era obrigado a voltar-se para a direcção exacta da Ka´ba, independentemente de conseguir vislumbrar no horizonte, o edifício ou não.
3. O que é uma Musalla/al-Sari´a?
A Musalla que também recebe o nome de al-Sari´a,[8] corresponde ao espaço, quase sempre livre de construções, que se localiza junto a uma estrutura urbana, mas exterior a ela.
Também pode existir num determinado espaço religioso.
No caso do Ribat de Guardamar, a musalla aí existente, datada do século IX, foi transformada em mesquita no século X, dando origem ao complexo religioso, já em contexto califal.[9]
Em território português, para além dos exemplos de Alcácer e do Torrão, só temos conhecimento de uma musalla ou al-Sari´a que foi recentemente identificada no Ribat da Arrifana.
Mais uma vez, segundo os autores, estamos perante uma musalla que depois de ser transformada em mesquita no século XII, terá dado origem ao complexo religioso, num percurso semelhante ao observado anteriormente em Guardamar.
Por questões de ordem fonética e topográfica, avançamos a hipótese de o topónimo Enxarrique, que define toponimicamente uma vasta planície de aluviões no lado nascente do Castelo de Silves, possa derivar da palavra al-Sari´a (Exaria/Xaria em Catalão e provavelmente Enxaria em Português). Mais uma vez estamos perante um vasto espaço aberto e junto ao espaço urbano, neste caso de Silves, num modelo que lembra o proposto para a musalla de Alcácer, instalada no actual Santuário Mariano do Senhor dos Mártires.
Em termos de coesão social e de ritualização dos deveres religiosos, as musallas tinham a “função” de “praça”, espaço de articulação urbana sempre ausente nas medinas.
De um modo geral e universal, serviam “unicamente” para a ocorrência de dois festejos anuais, onde era obrigatório, a presença de toda a comunidade:
- O final do Ramadão e o início do Ano Novo Lunar.
Ao longo do ano, o espaço permanecia desabitado e caso a topografia fosse favorável, poderia servir para treinos militares, como no caso de Alcácer, Torrão e provavelmente Silves.
4. A Musalla de Alcácer: Proposta de Localização.
Alcácer, à semelhança das outras medinas do al-Andalus tinha uma musalla.
Como cidade portuária e base militar, o recinto da musalla teria que ser amplo e de certo modo visível do castelo, caso fosse usado para o treino militar. Como complemento, poderia reunir funções de defesa militar, vitais para Alcácer.
O único espaço que reúne todas estas características é o actual “Recinto Sagrado do Senhor dos Mártires”.
Não só pela sua conotação ao sagrado e de natureza militar (existência de mártires, ter sido Panteão da Ordem de Santiago), como pela precocidade da sua génese em contexto cristão imediatamente após a conquista, denunciando a existência de uma “urgência” em captar para a esfera cristã um espaço sagrado muçulmano que fazia parte da geografia sagrada de Alcácer.
Por outro lado, devemos relembrar a existência de uma “Cantiga de Santa Maria”, dada a conhecer no século XIII, por Afonso X, rei de Castela.[10]
De notar que este vasto recinto “aberto” do “Senhor dos Mártires”, é o único espaço amplo com boas características para treino militar que é observado desde a alcáçova da medina alcacerense, facto que não terá passado desapercebido ao poder militar muçulmano.
O lado nascente da medina, não é dominado pela alcáçova, mas sim pela cintura defensiva existente neste sector do recinto amuralhado. No lado exterior da principal linha defensiva, terá existido uma outra, que descendo até ao rio, comportava-se como albacar.
Tratava-se de um recinto secundário bastante amplo, com baixa densidade de construções e que servia de primeira linha defensiva da cidade, protegendo o porto e dando abrigo aos voluntários da jhiad que não tinham ligações familiares em Alcácer.
Pelos elementos actualmente disponíveis, sabemos que após a conquista definitiva de 1217, as linhas mestras da malha urbana muçulmana foram mantidas, nomeadamente:
- A Alcáçova e Palácio dos Banu Wazir, prontamente transformada em Paço-Sede do Ramo Português da Ordem de Santiago
- A Mesquita da medina, transformada em Igreja de Santa Maria
-O soco, transformado em mercado
- O espaço portuário islâmico que com o passar do tempo vai receber uma malha urbana em desenvolvimento, que vai dar lugar à actual Ribeira de Alcácer, alojando o Poder Camarário desde o século XIV.
- O recinto da Musalla, associada a um Ribat, que após a conquista vai ser anexada aos bens da Ordem de Santiago. O carácter sagrado do espaço que já vinha do período islâmico, vai ser apropriado pelos Espatários, sendo pouco depois transformada em Panteão dos Mestres.
Em relação ao recinto da musalla, tendo sido reconhecido pelos cristãos as suas qualidades estratégicas, parece-nos natural que numa primeira fase, tenha mantido a sua função de “Espaço para Treino Militar”.
Contudo, a peregrinação “popular” ao Santuário de Santa Maria dos Mártires, documentada pouco depois da conquista de 1217 e realçada em termos sobrenaturais por um milagre atribuído à Virgem Santa Maria, parece-nos claro, que é a continuação numa perspectiva ritual cristã, das práticas festivas islâmicas.
Se as mesquitas após a conquista eram “purificadas” e transformadas em igrejas, é natural que determinados festejos islâmicos ocorridos em determinados espaços sagrados, como é o presente caso, também fossem objecto de “purificação”.
Neste caso, terá sido necessário marcar a passagem simbólica de Musalla para Santuário Mariano, adaptando-se o ribat aí existente, ampliando-o de forma a torna-lo adequado para as novas funções litúrgicas.
A terminar, é importante reflectir nos seguintes pontos:
- Se como alguns autores defendem, a igreja de Santa Maria dos Mártires é de génese cristã, porque razão o corpo rectangular da igreja está orientada para uma “pseudo-abside” (que lembra um mihrab) que se direcciona em linha recta para a Musalla do Torrão, distante 27 Km, não sendo visível de Alcácer.(Confirmado pelo Google Earth)
- Tendo em conta o amplo terreno disponível após a conquista, porque razão o corpo da igreja, de planta rectangular, não foi orientado no sentido poente-nascente, como é a norma cristã!, mas sim, mantendo uma orientação sensivelmente sueste, sugerindo a existência de um edifício ulterior?
Todos estes elementos só têm sentido, se aceitarmos a existência neste espaço do Senhor dos Mártires, uma Musalla e um ribat, tendo este ultimo servido de orientador do espaço sagrado neste recinto e que foi mantido pelos cristãos. Estamos perante uma “conquista” de âmbito sagrado, de forma a dar continuidade aos festejos populares que aí tinham lugar.
Sempre achei estranho a ausência[11] de uma “praça” frente à Igreja de Santa Maria do Castelo, como seria normal existir numa cidade cristã.
Calculamos que a falta de espaço para edificar dentro do recinto amuralhado do castelo de Alcácer, terá sido dramático no decurso do século XIII.
Será que a função de “Praça da Cidade” assumida pela Musalla foi mantida pelos cristãos?
Fica a questão em aberto!
Questões à parte, sabemos por provas documentais, que em contexto Medieval Cristão, o Santuário Mariano dos Mártires, era encarado na época, como elemento fundamental para a defesa sagrada da cidade, associando-se a atalaias espalhadas na linha do horizonte, no alto de colinas, em ambas as margens do Sado.
A perpetuação desta realidade, ficaram fixadas nas memórias populares que chegarão até nós como lendas.
Segundo uma delas, o Senhor dos Mártires está rodeado de “Irmãos”, visíveis entre si, que são nada mais que as referidas atalaias, transformadas em ermidas.
5. A Musalla do Torrão.
Se no exemplo da medina de Alcácer, sede militar desta região do Garb voltado ao Atlântico, é facilmente perceptível porque razão o espaço da musalla localizada no Senhor dos Mártires é grande e carecia de recinto; - mais difícil de entender é sabermos a razão de o Torrão possui a musalla estruturada de grandes dimensões, até ao momento identificado em Portugal e provavelmente na margem norte do Mediterrâneo!
Só é compreensível a existência de um edifício desta dimensão, se forem reunidas pelo menos duas condições:
- O patrono do imóvel terá sido um grupo ou alguém ligado ao poder político do “Estado muçulmano”
- O castelo do Torrão, terá sido transformado em praça militar de primeira grandeza em território de fronteira, tendo ocorrido algo de “extraordinário” que permitiu criar um pólo importante de peregrinação muçulmana, capaz de atrair voluntários para a “Guerra Santa”.
Estes conjuntos de condições só foram reunidos após 1184.
Após o desastre almóada de Santarém, o exército muçulmano é obrigado a retirar, levando consigo o emir Al-Um´Minim Abu Ya´qub, gravemente ferido.
No caminho de regresso para Sevilha, tratando-se de uma emergência, optam pela estrada de Beja, que passava entre Alcácer e Évora, cidades que nesse ano já estavam debaixo do domínio português.
Segundo o relato islâmico, ficamos a saber que a linha de fronteira incluía o castelo do Torrão em espaço português.
O Torrão foi escolhido pelas tropas almóadas como local de repouso das tropas a pedido dos médicos do emir, na esperança que este recuperasse dos ferimentos.
Como acto de vingança, o castelo do Torrão foi conquistado e a região envolvente foi entregue à pilhagem, levada a cabo por dois grupos de tropas, em busca de viveres.
Entretanto, o estado de saúde do pai de Ya´qub al-Mansur não melhora e é necessário prosseguir o caminho para Sevilha.
As fontes conhecidas, não são claras sobre o lugar preciso da morte do emir almóada, contudo frisam que foi depois da conquista do Torrão e após vários dias de repouso frente ao castelo. Sabemos que a sua morte foi mantida em rigoroso segredo até à chegada a Sevilha, de forma a evitar confrontos militares entre os vários candidatos naturais à chefia do Império Almóada.
Podemos verificar que nesta fase de enorme crise politica, os destinos do poderoso aparelho estatal almóada foram em parte delineados no Torrão e espaço envolvente.
Será provavelmente como memória destes tempos conturbados de indefinição politica que terá sido construído uma grande musalla, de forma a marcar no território de fronteira, a marca do poder militar almóada e sacralizar para memória futura um “fragmento de tempo” que importava não ficar esquecido perante a comunidade islâmica.
Esta necessidade de propaganda ao servido do aparelho estatal magrebino só tem sentido se aceitarmos que o emir almóada Al-Um´Minim Abu Ya´qub, chefe supremo do império muçulmano mais poderoso na época e rival dos Ayyubias do Oriente, tenha falecido no Torrão, dentro da sua tenda, no acampamento que terá sido montado no espaço, onde pouco tempo depois, terá sido construída a musalla.
Estamos a crer que estamos perante a “sacralização de um espaço”, muito ao gosto do programa de reforma religioso dos unitários e que é exemplo único em território Português.
Esta valorização sagrada do território, muito ao gosto do Califa Almoada Ya´Qub al-Mansur,[12] permitia a valorização do Torrão como espaço “privilegiado” de peregrinação muçulmana, especialmente vocacionada para os voluntários para a “Guerra Santa”, com a vantagem deste castelo estar estrategicamente localizado junto a uma ponte romana e a 1 dia de viagem de Alcácer e frente à cidade de Évora, na posse portuguesa desde 1166.
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Notas
[[1] Uma versão mais completa sobre este tema , ficará disponível em breve no site do Município de Alcácer do Sal, em formato PDF. Carvalho, A Rafael, 2008. A Musalla do Hisn Turrus/Torrão: Leitura Arquitectónica sobre uma Questão em Aberto. Colecção Digital - Elementos para a História do Município de Alcácer do Sal, Nº 2 (II Parte), http://www.cm-alcacerdosal.pt/PT/Actualidade/Publicacoes/Paginas/EstudosdoGabinetedeArqueologia.aspx
[2] Para simplificar o texto, optamos por não fazer a transliteração das palavras árabes.
[3] Mazzoli-Guitard, 2000, Las Ciudad Musulmanas en Espanã e Portugal. e Mónica Rius, 2000, La Alquibla en al-Andalus y al-Magrib al-Aqsa.
[4] A ausência de estruturas que parece ser apanágio da maior parte dos espaços classificados como musallas, parecem desmotivar logo à partida a maior parte dos investigadores.
[[1] Uma versão mais completa sobre este tema , ficará disponível em breve no site do Município de Alcácer do Sal, em formato PDF. Carvalho, A Rafael, 2008. A Musalla do Hisn Turrus/Torrão: Leitura Arquitectónica sobre uma Questão em Aberto. Colecção Digital - Elementos para a História do Município de Alcácer do Sal, Nº 2 (II Parte), http://www.cm-alcacerdosal.pt/PT/Actualidade/Publicacoes/Paginas/EstudosdoGabinetedeArqueologia.aspx
[2] Para simplificar o texto, optamos por não fazer a transliteração das palavras árabes.
[3] Mazzoli-Guitard, 2000, Las Ciudad Musulmanas en Espanã e Portugal. e Mónica Rius, 2000, La Alquibla en al-Andalus y al-Magrib al-Aqsa.
[4] A ausência de estruturas que parece ser apanágio da maior parte dos espaços classificados como musallas, parecem desmotivar logo à partida a maior parte dos investigadores.
[5] Guardamar e a Arrifana
[6] Juan Souto, 2004, La Mezquita: definición de un espacio, p. 103.[1] Um bom exemplo é a orientação a sul do primeiro Mihrab da Mesquita do Alto da Queimada, localizada na Serra do Louro, junto do Castelo de Palmela (Cordilheira da Arrábida). (Informação oral de Isabel Cristina Fernandes que agradecemos). Esta orientação Sagrada terá sido definida no século VIII, ainda antes de se saber qual a orientação correcta de Meca. No decurso dos séculos IX/X, o edifício foi mantido, contudo o Mihrab sofreu uma rectificação, orientando-se para sudoeste, de forma a ficar orientado para a posição correcta, que neste caso, apontava para a localização de Alcácer, pelo meio da abertura do vale, entre o morro de Palmela e a serra dos Gaiteiros
[7] Esta denominação, al-Sari´a, entrou na língua Catalã, transformando-se em Exaria ou Xaria. No caso da língua Portuguesa, desconhecemos como se processaria a passagem fonética. O Nome Exarramam dado ao rio Xarrama em documentação portuguesa do século XII, poderá ser alusivo à musalla/Sar´a do Torrão, se aceitar-mos que a palavra deriva da expressão árabe al-Sari´a al-Yami (A Musalla Principal), que adaptado para a fonética do português, teria um som semelhante a exaria-a-rrami!
[8] Calvo, 2004, Las Mezquitas de pequeñas ciudades y núcleos rurales de al-Andalus, p. 54.
[9] Gomes e Gomes, 2007, Ambiente natural e complexo edificado, p. 54
[10] Sobre esta questão, ver, CARVALHO, A Rafael (2006) O SANTUÁRIO DO SENHOR DOS MÁRTIRES EM CONTEXTO ISLÂMICO: Alguns elementos para o seu estudo. Neptuno, nº 7, página 4 - 6 ADPA e CARVALHO, A Rafael (2006) A REPRESENTAÇÃO ICONOGRÁFICA DO SENHOR DOS MÁRTIRES E ALCÁCER DO SAL NO SÉCULO XIII. Neptuno, nº 8, página 6-9 ADPA.
[8] Calvo, 2004, Las Mezquitas de pequeñas ciudades y núcleos rurales de al-Andalus, p. 54.
[9] Gomes e Gomes, 2007, Ambiente natural e complexo edificado, p. 54
[10] Sobre esta questão, ver, CARVALHO, A Rafael (2006) O SANTUÁRIO DO SENHOR DOS MÁRTIRES EM CONTEXTO ISLÂMICO: Alguns elementos para o seu estudo. Neptuno, nº 7, página 4 - 6 ADPA e CARVALHO, A Rafael (2006) A REPRESENTAÇÃO ICONOGRÁFICA DO SENHOR DOS MÁRTIRES E ALCÁCER DO SAL NO SÉCULO XIII. Neptuno, nº 8, página 6-9 ADPA.
[11] Documentada em termos arqueológicos.
[12] Quase todas de herança muçulmana.
[12] Quase todas de herança muçulmana.
[13] Que terá sido provavelmente o “Patrono da Obra”
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Bibliografia
CARVALHO, A Rafael (2005). ALCÁCER DO SAL ENTRE 1191 E 1217 (I PARTE) Neptuno, nº 3, página. ADPA.
CARVALHO, A Rafael (2005) ALCÁCER DO SAL ENTRE 1191 E 1217 (II PARTE): O Papel do Hisn Turrus/Castelo do Torrão, no sistema defensivo Alcacerense. Neptuno, nº 5, página 5 - 7. ADPA.
Versão digital – (2006) O PAPEL DO HISN TURRUS/CASTELO DO TORRÃO, NO SISTEMA DEFENSIVO ALCACERENSE http://arqueo-alcacer. blogspot.com. (Consultado em 08-06-2007)
CARVALHO, A Rafael (2005). ALCÁCER DO SAL ENTRE 1191 E 1217 (I PARTE) Neptuno, nº 3, página. ADPA.
CARVALHO, A Rafael (2005) ALCÁCER DO SAL ENTRE 1191 E 1217 (II PARTE): O Papel do Hisn Turrus/Castelo do Torrão, no sistema defensivo Alcacerense. Neptuno, nº 5, página 5 - 7. ADPA.
Versão digital – (2006) O PAPEL DO HISN TURRUS/CASTELO DO TORRÃO, NO SISTEMA DEFENSIVO ALCACERENSE http://arqueo-alcacer. blogspot.com. (Consultado em 08-06-2007)
CARVALHO, A Rafael (2005) ALCÁCER DO SAL ENTRE 1191 E 1217: Os dias em que al-Qasr al-Fath foi sede do império Almóada. Neptuno, nº 6, página 12 - 13. ADPA.
CARVALHO, A Rafael (2006) O SANTUÁRIO DO SENHOR DOS MÁRTIRES EM CONTEXTO ISLÂMICO: Alguns elementos para o seu estudo. Neptuno, nº 7, página 4 - 6 ADPA.
CARVALHO, A Rafael (2006) O SANTUÁRIO DO SENHOR DOS MÁRTIRES EM CONTEXTO ISLÂMICO: Alguns elementos para o seu estudo. Neptuno, nº 7, página 4 - 6 ADPA.
CARVALHO, A Rafael (2006) A REPRESENTAÇÃO ICONOGRÁFICA DO SENHOR DOS MÁRTIRES E ALCÁCER DO SAL NO SÉCULO XIII. Neptuno, nº 8, página 6-9 ADPA.
2 comentários:
Excelente artigo!
estou a fazer um blog sobre a herança cultural islamica em Portugal. O blog é em inglês pois pretende expor o mundo a esta realidade tão denegrida e menosprezada da nossa historia.
http://al-qasr-abu-danis.blogspot.com
Salaam!
Obrigado pelo comentário.
Queria dizer que o meu blog qasr abu danis não está só vocacionado para o passado islâmico de Alcácer. Na realidade eu insiro lá um pouco de tudo, desde desporto, festivais rok e história e arqueologia. O objectivo é divulgar Alcácer, o seu passado, mas tambem o seu presente cultural. O blog que é só vocacionado para História Arqueologia IsLâmica de Alcácer é só este. Já vi o seu blog. Trata-se de um bom projecto. Não se esqueça de visitar a Cripta Arqueológica do Castelo de Alcácer do Sal. Boa Sorte.
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